Salve Maria
“Foi na beira do mar
Foi que nego chorou
Foi na beira do mar
Foi que nego chorou
Ao ver Nossa Senhora saindo das águas coberta de flor
Ao ver Nossa Senhora saindo
das águas coberta de flor”.
A presença feminina nos reinados e congados vem crescendo nas últimas décadas, com as mulheres ocupando cargos na hierarquia religiosa e administrativa que até os anos 1970, na maioria dos grupos, eram destinados exclusivamente aos homens. As mulheres sempre carregaram as coroas, representando o poder sagrado de Maria e das poderosas rainhas míticas africanas, mas a elas era vedada a capitania, a fundação de guardas, as decisões de gestão, e até mesmo a participação – para além do trono coroado – nos grupos de moçambique. Essa mudança, como vários depoimentos que esta publicação revelam, foi gradual e conflituosa, com elas tendo que enfrentar os obstáculos que sempre se impõem quando ousam reivindicar e ocupar espaços de poder e decisão destinados historicamente aos homens. Essa transformação do papel das mulheres nos reinados e congados mostrou que a tradição pode ser porosa aos novos tempos sem que os fundamentos sagrados sejam violados, pelo contrário: muitas dessas comunidades têm a tradição defendida justamente pela força feminina, que atua para garantir o zelo aos fundamentos e a continuidade dos grupos.
É em torno da história do aparecimento e da retirada de Nossa Senhora do Rosário das águas pelos negros escravizados que se constituem os reinados e os congados. Sua origem está no passado, remetendo à formação de irmandades de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito ainda durante o Brasil colônia, a rituais trazidos e ressignificados pelos povos bantos e à prática de coroação da Rainha e do Rei Congo, lideranças espirituais e políticas que mediavam as relações com os escravizadores, levando reivindicações, fazendo conciliações possíveis e, por vezes, comandando rebeliões contra o poder vigente.
Ora permitidos, ora proibidos ao longo da história, foi em Minas Gerais que os rituais dos reinados e dos congados atravessaram os séculos. Ainda que existam comunidades e grupos congadeiros em outras partes do país, é em terras mineiras que suas manifestações se firmaram como uma das mais importantes expressões da cultura popular regional. Dizem por essas bandas, inclusive, que a criação do congado foi obra de Chico Rei, o Galanga, rei em África, escravizado e que em Ouro Preto se libertou e libertou seu povo.
Atualmente, dezenas de irmandades e guardas mantêm a tradição do Reinado e do Congado em Belo Horizonte. O presente livro traz esse recorte geográfico e as mulheres reinadeiras – mestras da capitania, senhoras das coroas, presidentes e cozinheiras como tema.
Seria impossível trazer neste espaço todas as mulheres importantes dos reinados de Belo Horizonte. Diante disso, se impôs um novo recorte: foram escolhidas mulheres que são reconhecidas publicamente e em seus grupos como uma das principais lideranças, aquelas que estão à frente. Obviamente que a rede de contatos e afetos de quem está produzindo o livro, nossos conhecimentos, são elementos que interferem e direcionam, em alguma medida, essas escolhas. Nomes certamente ficaram de fora, mas as treze mulheres aqui retratadas, tão diferentes entre si, têm em comum serem as bases que sustentam seus grupos, elos que ligam o coletivo à memória, mediadoras de questões visíveis e invisíveis, lideranças que orquestram o louvor a Nossa Senhora do Rosário e inspiram suas comunidades a seguirem. Para criar as molduras desses retratos, este livro contou, desde o projeto editorial, com o conhecimento da mestra e Rainha Conga da Guarda de São Jorge, Kelly Simone. Kelly ainda acompanhou a maioria das entrevistas, contribuindo com a condução das perguntas.
Importante frisar o substantivo, porque a pretensão aqui é essa: um retrato. Fragmentos de palavras, memórias e imagens capturados em encontros breves e cuidadosamente costurados na intenção de aproximar as leitoras e os leitores de um pouco da potência de cada uma dessas mestras. Vale dizer que todos os textos que compõem esse livro tiveram sua versão final aprovada pelas mulheres retratadas.
A produção de Mulheres Reinadeiras começou em 2019, quando a maioria das entrevistas foi realizada, e foi atravessada pela pandemia da Covid-19. Por esse motivo, esse livro chega com atraso e o tema da pandemia fica restrito às entrevistas realizadas em 2021.
Às nossas entrevistadas, às mulheres que vieram antes de nós, às que virão depois e, principalmente, à Nossa Senhora do Rosário: muito obrigada!
Júlia Moysés
FICHA TÉCNICA
IDEALIZAÇÃO
Elias Gibran
Júlia Moysés
Mariana Misk
PROJETO EDITORIAL
Elias Gibran
Júlia Moysés
Junia Torres
Kelly Simone
PROJETO GRÁFICO
OESTE
Joana Alves
Larissa Kamei
Mariana Misk
ILUSTRAÇÕES
Lígia Mattos
EDIÇÃO
Joyce Athiê
Júlia Moysés
Junia Torres
Kelly Simone
CONSULTORIA
Junia Torres
Kelly Simone
GESTÃO
Napele Produções Artísticas
OESTE
PRODUÇÃO EXECUTIVA
Elias Gibran
Joyce Athiê
Kelly Simone
Patrick Arley
REDAÇÃO
Ártemis Brant
Carol Macedo
Karina Marçal
Joyce Athiê
Júlia Moysés
Juliana Afonso
Mayra Bernardes
Patrick Arley
Pedro Kalil
Sarah Santos
REVISÃO
Carlos Andrei
Viviane Maroca
FOTOGRAFIA
Patrick Arley (com exceção das fotos de Maria do Rosário e Edna, e Morgana e Mary, que são de Pablo Bernardo; e Dona Zelita e Iara, e Preta, que são de Netun Lima)