Revista Marimbondo

Muitos sons e lugares

A edição belo-horizontina do Conexão Vivo 2011 esteve, do dia 20 de abril ao dia 29 de maio, em oito espaços da capital: Grande Teatro do Palácio das Artes e Sala Juvenal Dias, Parque Municipal Américo Renné Giannetti, Centro Cultural UFMG, o antigo Lapa Multshow, Praça do Papa, Barragem Santa Lúcia e Music Hall. A escolha de tantos espaços distintos faz parte de uma política iniciada pelo programa em 2010, quando da comemoração de seus dez anos.

Realizado desde 2001, primeiramente sob o nome Conexão Telemig Celular de Música, o Conexão é, atualmente, um dos maiores e mais complexos programas culturais do país, tendo, primordialmente, a música como foco. Viabilizado com recursos das leis de incentivo à cultura e patrocinado também com recursos próprios pela empresa de telefonia Vivo, sob sua chancela estão festivais, artistas, produtores, estúdios e produtos culturais de nove estados, que formam a Rede Conexão Vivo. Originalmente mineiro, o programa tem desde seus primórdios experiências nas praças de Belo Horizonte, quando, em 2002, a Praça JK, no centro da cidade, recebeu uma de suas etapas. Três anos depois, o público pouco afeito ao lugar foi convidado a frequentar o Parque Municipal que, desde então, tornou-se cenário tradicional do Conexão em Belo Horizonte.

Parte desse movimento de ampliação dos espaços foi influenciada pela experiência do Conexão Vivo Circuito Off Feira, uma ação complementar à Feira Música Brasil realizada em 2009, em Recife. As principais e mais conhecidas casas de shows de música autoral da cidade e outros espaços, como a Torre Malakoff, foram palcos para os shows do Circuito. “O interessante dessa experiência é que cada lugar traz sua especificidade e te coloca pra dialogar e interagir com outros públicos e com questões de naturezas diferentes”, diz o idealizador e gestor do programa, Kuru Lima.

A reflexão e o aumento substancial da base de artistas e projetos patrocinados pelo Conexão levaram a um novo formato de apropriação de espaços. Segundo Kuru, somou-se a isso a percepção de que, em Belo Horizonte, cidade origem do programa, há uma concentração das atividades culturais e uma baixa oferta de circulação pelas regiões mais distantes.

Além das condições estruturais e das necessidades artísticas das apresentações, a utilização do espaço público e a escolha das localidades relaciona-se à democratização do acesso à cultura e à conversão, mesmo que momentânea, de lugares em espaços de convivência. “Hoje, existe um rico debate e reflexão sobre a cidade e sua ocupação e acreditamos que o processo de experiência cultural em diversos lugares faz com que a população amplie, tome posse, valorize e passe a cuidar com carinho daquilo que é o patrimônio de todos”, diz a integrante da área de Desenvolvimento Cultural da Vivo, Tela Fonseca.

“TOMAR GERAL” E DIÁLOGO
A pulverização das atrações chegou também à periferia: Alto Vera Cruz, Barragem Santa Lúcia e, através do projeto associado “Palco Hip Hop”, Barreiro. No Alto Vera Cruz, onde o programa esteve em 2010, a realização foi resultado de uma parceria com lideranças comunitárias. Francislei Henrique, o DJ Francis, coordenador geral do Grupo Cultural NUC e que esteve à frente dessa iniciativa, relata que durante a produção do evento a organização recebeu, informal e verbalmente, solicitações da Polícia Militar, com o respaldo da Prefeitura, pedindo cuidados em relação à segurança, como cercamento da área e revista no público, o conhecido “tomar geral”. “Ainda há certo receio de realizar atividades desse porte na periferia porque existe um estereótipo de favela que segue o modelo do Rio de Janeiro, e isso não se aplica a BH. Nossa forma de organização exige diálogo, sempre pensando nas demandas da comunidade que deve ser envolvida como um todo”, diz ele. Com intenso diálogo essas exigências foram minimizadas e foi possível a realização de dois dias de atividades participadas por 15 mil pessoas, sem nenhuma ocorrência.



Também na Barragem Santa Lúcia, em 2011, foi preciso um esforço maior para que os shows acontecessem frente à contraposição da Polícia Militar, que alegou haver falta de segurança no local, considerando a proximidade com o Morro do Papagaio. A possibilidade da não realização do evento levou a uma articulação com representantes das instituições públicas, dos moradores do aglomerado e organizadores do programa. Após muita conversa, mesmo com as restrições colocadas como a proibição da venda de bebidas alcoólicas, cercamento da área do evento e revista para entrada do público, os shows aconteceram sem maiores ocorrências em um fim de semana de clássico pela final do Campeonato Mineiro de Futebol.

O rapper paulistano Emicida, que se apresentou no local, diz ser fundamental a circulação de eventos pelas periferias. “Isso contribui homeopaticamente pra diminuir o que a polícia tem feito nas periferias. Quando o público vem aqui e levanta a mão para cima, eles estão levantando é a cabeça”, diz entusiasmado.


Para o diretor da Assessoria de Vilas e Favelas do Governo do Estado de Minas Gerais e um dos defensores da realização do evento na Barragem, Cris do Morro, a proibição da realização de eventos no local, feita pela Polícia Militar e pelo Ministério Público desde o final de 2010, as restrições e a atuação da polícia no morro foram as causas para que a comunidade do aglomerado se sentisse intimidada e comparecesse em pequeno número frente às 7 mil pessoas que passaram pela Barragem naquele fim de semana.

Mas o Aglomerado Santa Lúcia estava representado por pessoas como Dona Maria Luiza, que viveu os seus 44 anos residindo no morro. Na avaliação de Dona Maria, os shows são bons e distraem. “Há tempos que a gente não tinha festa aqui”, diz. Embora também satisfeito com o evento, Éder Coelho, 23, também morador, diz com sinceridade: “Eu confesso que não conheço esse som aí não, mas é legal ver todo mundo de boa, dançando, cantando”.



Não é apenas da PM e da Prefeitura, no entanto, que a organização do programa encontra resistência para a realização do Conexão Vivo em determinados espaços. Alguns artistas mantêm a preferência por espaços fechados, seja pela qualidade do som, seja pelo que o cantor e compositor Celso Moretti classifica como “princípio rudimentar do artista”. Para Moretti, que participa do Conexão desde 2004 (como artista ou jurado), “é ele que me faz preferir tocar em lugar onde o público paga e entra em um espaço mais concentrado para me ver, os holofotes são para mim. Ao ar livre, a praça é pública, é do povo, eu é que estou invadindo o espaço. Eu tenho que pedir licença pra entrar. Quem ocupa aquele  espaço primeiro é o público. Eu chego e digo ‘Olá, eu estou aqui também com vocês.’ É outro tipo de interação, é o inverso. Os holofotes deveriam estar direcionados para o público, os donos daquela casa”, explica Moretti.