Revista Marimbondo

Se essa rua fosse nossa | parte 6

Seja em ações planejadas ou espontâneas, autorizadas ou que desafiam proibições, mais moradores de Belo Horizonte têm se somado a uma histórica reivindicação por outros usos do espaço urbano, além daqueles planejados (por vezes impostos) pelos poderes institucionalizados. Nessa mais recente reivindicação destacam-se artistas, grupos e movimentos culturais que, por meio de atividades deliberadamente políticas ou essencialmente artísticas, propõem uma ressignificação da rua. Algumas dessas ações têm a irreverência e a alegria como elementos comuns, o que nem de longe justifica o esvaziamento da mensagem que delas emana: a rua não é só lugar de ir e vir, mas espaço privilegiado para a legitimação e circulação de saberes e sentidos. A rua não deve servir a um projeto político que forja uma cidade ordeira e asséptica, e, sim, dar lugar à diferença, ao dissenso. Porque a rua não é de alguns, nem é nossa. É de todos.

“Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia — o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua.”


(trecho do livro A alma encantadora das ruas, de João do Rio)