Tive herpes, tive tersol e tive afta.
Baixou a imuno de minha vidinha.
Vi o inseto narrado por Kafka:
triste novena, podre ladainha.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
Sorvi remédio pra colesterol,
pra pressão alta e até pro coração;
tapei com peneira, na noite, o sol,
afoguei, no Arrudas, minha ilusão.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
Tomei banho de erva; fiz penitência;
mandei rezar missa na São José;
maldisse a razão; descri da ciência;
chutei a pedra; neguei São Tomé.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
Fui reprovado; fui mandado embora;
entrei na justiça; postei currículo;
perdi tempo, sempre chegando na hora,
quando a história fechava o seu ciclo.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
As lágrimas mudaram de endereço,
foram molhar olhos bem mais seguros,
daqueles que trazem algum apreço:
passado demais, pra tanto futuro.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
Formei aqui, sem saber a lição;
comi muito a farinha do desprezo.
Paguei mil penas, sem nunca ser preso.
Pulei, não cheguei ainda no chão.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
Aspirei até vidrinho de arsênico;
com o Maletta em chama, toquei a lira
de Nero, sem nenhum efeito cênico,
ouvindo as verdades destas mentiras.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
Prego, martelo, cama de faquir.
Comi vidro, fui pro Pronto Socorro;
fui jurado de morte: sobrevivi.
Se, ontem, eu morri; hoje, não morro.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
Escrevi sonetos, baladas, trovas;
fiz arte postal e até fiz bolero.
Do contra, apanhei, levei muita sova;
e nada sobrou deste desespero.
Bati a cabeça,
mas ouvi: esqueça.
Bebi no Banzai e no Hollywood,
no Serelepe, lá no Sadallah;
revirei na cova; fiz o que pude;
escutei a voz do “agora é pra já”.
Bati a cabeça,
mas falei: esqueça.