// “Para além dos nossos muros, gradis e decretos”: notícias de Recife
“Cada cidade tem o monumento que merece”. É assim, em poucas palavras, que o jornalista e cineasta Luiz Joaquim apresenta seu curta Eiffel, uma anti-homenagem às duas torres que irromperam na paisagem próxima ao cais do centro histórico do Recife. Os prédios residenciais Pier Maurício de Nassau e Pier Duarte Coelho, popularmente apelidados de “Torres Gêmeas”, são monumentos impostos que refletem a desordem urbana e o avanço imobiliário predatório na capital pernambucana. Recife, por sinal, é uma cidade sui generis. Uma das poucas cidades do litoral nordestino onde o sol não bate na areia da praia no período da tarde, uma vez que os edifícios localizados a beira-mar promovem uma vasta sombra na área.
Com 37 andares e situadas estrategicamente junto ao delta do Rio Capibaribe, próximo ao Oceano Atlântico, as duas torres nasceram para chamar a atenção de qualquer ponto da cidade. Instaladas na área onde ficavam antigos galpões do Porto do Recife, elas contrastam esteticamente e em altura com as demais construções ao redor no bairro de São José, como o Mercado de São José, a Igreja de São Pedro dos Clérigos e o Forte das Cinco Pontas, erguido pelos holandeses em 1630.
O curta de Luiz Joaquim, produzido em 2008 e selecionado pelo Festival de Vídeo do Recife e Cine-PE, foi um dos primeiros a ter essa visão crítica da ocupação imobiliária na cidade. Sua narrativa se assemelha à abertura de Os Incompreendidos, em que, diferentemente de Paris, o que vemos não é a Torre Eiffel e sim os dois prédios surgindo e interferindo na paisagem em várias localidades do Recife. “Eiffel lembra ao espectador de que o monumento que a gente tem não é algo a ser contemplado, mas duas torres residenciais em um bairro histórico, que foram colocadas por uma construtora de um poder quase ilimitado no Recife”, ressalta Luiz.
Essa preocupação com o cenário urbano do Recife também é compartilhada por outras pessoas. Se o poder público pouco tem conseguido fazer a respeito do uso do solo e da ocupação desenfreada deste pelas imobiliárias, ao menos os cineastas do Recife têm desempenhado esse papel de observar, registrar e criticar a verticalização da cidade. Menino Aranha (Mariana Lacerda, 2008), Um Lugar ao Sol (Gabriel Mascaro, 2008), Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, 2009), Recife Frio (Kléber Mendonça, 2009), Ninhos Antigos (Osman Godoy, 2011) e Praça Walt Disney (Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, 2011) são algumas das produções cinematográficas atuais que querem promover este debate sobre o espaço urbanístico do Recife.
TORRES GÊMEAS
Procurando articular melhor esta produção audiovisual, um grupo de cineastas criou o “Projeto Torres Gêmeas”. Apesar de o nome remeter diretamente ao World Trade Center e ao par de edifícios fincados no Cais de Santa Rita, o foco do projeto é mais amplo. “O projeto nasceu da vontade de algumas pessoas ligadas ao meio audiovisual pernambucano de falar do Recife e de suas relações de poder a partir do projeto urbano que vem sendo desenvolvido na cidade”. Assim o grupo define suas intenções com o projeto, que é formado por Ana Lira, Camilo Soares, Chico Lacerda, Felipe Peres Calheiros, Fernando Chiappetta, Jonathas de Andrade, Leo Falcão, Leo Leite, Leonardo Lacca, Luís Henrique Leal, Marcelo Lordello, Marcelo Pedroso, Mariana Porto, Mayra Meira, Milene Migliano, Rodrigo Almeida, Tião, Virgínia Maria Carvalho e Wilson Freire.
O que era apenas um fórum para compartilhar ideias e preocupações sobre estes temas urbanísticos logo se tornou algo maior. E sabendo que havia mais gente que compartilhava destas reflexões, eles resolveram logo expandir a proposta para os demais interessados em colaborar, no Recife e na internet, criando, há pouco mais de um ano, um blog. No endereço virtual o grupo pode explicar a proposta de produção colaborativa e convocar a todos os que desejassem contribuir enviando seu material capaz de compor o projeto audiovisual, fosse ele filme, vídeo, fotografia, ilustração, música, narração ou texto escrito em qualquer formato.
Juntos, os cineastas montaram uma obra colaborativa a partir de vários olhares sobre a cidade e os processos que provocam a espetacularização dos espaços urbanos. “Pedimos para as pessoas enviarem materiais que se propusessem a debater esse modelo de cidade desfigurador, excludente e agressivo. Quisemos a partir desse gesto refutar o que vem sendo feito e pensar em alternativas para o processo de urbanização do Recife”, explica o cineasta Marcelo Pedroso.
Uma coisa é certa, são imagens da cidade que não gostaríamos de ver, mas que são reais e que revelam o que a atual ocupação imobiliária entende por progresso e modernidade, nem que isso represente mais áreas de sombras sobre os que estão embaixo, nas ruas.
O Recife na tela grande
Cinco filmes para conhecer melhor a geografia urbana da cidade dos rios, pontes e mangues Veneza
Americana (Dir: Ugo Falangola e J. Cambière, 1926)
Em um registro documental, os diretores mostram ruas e casarões do Recife em plena década de 1920, quando bondes e carroças eram os meios de transporte vigentes.
Amarelo Manga (Dir: Cláudio Assis, 2003)
Transportando os contrastes urbanos para a tela, o filme apresenta cenários do Recife que fogem das belezas turísticas, focando os morros da periferia e as áreas abandonadas do centro.
Menino Aranha (Dir: Mariana Lacerda, 2008)
Recontando a história de um menor que furtava objetos em apartamentos, o documentário mostra em imagens a visão de baixo pra cima que o menino tinha da desigualdade social e econômica da cidade.
Um Lugar ao Sol (Dir: Gabriel Mascaro, 2009)
Olhando de cima para baixo, o documentário capta depoimentos de moradores de coberturas de prédios, alternando as imagens que os moradores veem com o impacto destas “torres” nas paisagens.
Ninhos Antigos (Dir: Osman Godoy, 2011)
O curta apresenta relatos de pessoas que moram em casas centenárias em terrenos bastante assediados pelas imobiliárias. As últimas cenas acompanham a demolição de uma casa que veio a se tornar um prédio.