// Integrante do coletivo Família de Rua, em depoimento dado a Milene Migliano
O Duelo de MC’s começou em 2007, quando teve a primeira edição nacional da Liga dos MC’s. A galera fez eliminatórias em vários estados e Minas Gerais teve a sua em agosto. O evento final foi no Lapa Multshow [!], e tava todo mundo sorrindo, dançando, saca?, trocando ideia. Acho que foi essa vibe que trouxe toda essa vontade de fazer algo. Troquei uma ideia de leve com o Vuks [!] e a gente se encontrou na quartafeira seguinte. Cada um falou o que pensava, somou com outras ideias e, ali mesmo, fechou as regras, o lance da inscrição. Ficamos com a missão de cada um chamar uma galera.
[!] Localizada no bairro Santa Efigênia, a casa de shows e espetáculos Lapa Multshow funcionava, desde 1999, no antigo Cine-Theatro Santa Efigênia, e encerrou suas atividades neste ano, após o imóvel ser solicitado pelo proprietário. Artistas e comunidade se mobilizaram para impedir a demolição e a prefeitura publicou um decreto declarando o prédio como “utilidade pública”, para fins de desapropriação. // Pedro Vuks é um jovem MC belo-horizontino. Lançou seu primeiro CD em 2011.
O primeiro foi na Praça da Estação, a gente queria fazer entre o monumento e o prédio. Passamos na Praça 7, chamamos uma galera do skate também e descemos. Foi começar a dar um movimento que a Guarda Municipal veio perguntar o que a gente queria fazer ali. Falei que a gente ia fazer uma roda de rima, que não tinha nada de mais. Eles disseram que não podia, que a gente tinha que sair dali, que a gente precisaria de uma autorização da Prefeitura para poder fazer uma manifestação na Praça. Aí eu nem discuti não, saca? Eles falaram “se vocês quiserem fazer, forem até educados e tal, se quiserem fazer no passeio ali do lado, vocês podem fazer lá”. Como a gente foi fazer no passeio do outro lado da Praça, o cara parou o carro na calçada e a gente colocou o CD no som. Foi até interessante, resolveu o instrumental no dia. A galera que foi, tipo vinte pessoas, tava na maior vibe, sabe? Curtiu pra caralho, todo mundo trocou ideia, zuou, rachou os bicos. Acho que no início era diferente, era mais engraçado.
Eu já fui com uma postura de organizador da parada, fiquei com os papéis na mão, caderno, anotando o nome de quem estava lá e tal. Na hora em que começou o duelo, eu achava que o Vuks ia ser o mestre de cerimônia, mas ele foi duelar, pra fechar nos oito. Quando eu vi, já tava apresentando o duelo. Foi doido pra caralho, e já ficou combinado: “aí, sexta-feira que vem tamo aí de novo. Quem quiser colar, chega mais”.
A gente não tinha grana para investir na parada, para curtir de boa, brincar, e tal. Aí foi juntando os caras, o PDR, o Monge, o Castilho [!] — um skatista que tava desde o primeiro Duelo. E nisso a gente foi formando um coletivo. Surgiu a ideia do nome Família de Rua, nome já usado por um lance do skate e de vídeo, mas que era perfeito pra parada do duelo também. A gente desenrolou, a galera pirou, todo mundo concordou e ficou. Daí quando foi tipo outubro, novembro, começou a chover. A gente mudou para o viaduto porque lá tinha abrigo. Não tinha luz, era tudo escuro mesmo, o lugar sujão, igual é até hoje. A gente quis organizar melhor o negócio.
[!] PDR, Monge e Castilho são alguns dos integrantes do coletivo Família de Rua.
Naquela época, acho que tinha de umas oitenta a cem pessoas, por semana. E a gente já tava doido para arrumar um alvará para poder fazer a parada legal, sacô? Aí a gente encontrou com um cara, que era da Secretaria Municipal de Juventude; pediu uma autorização, mas neguinho só dava na condição de que a Prefeitura assinasse o projeto. Aí a gente não concordou.
Mas aí eu conheci o Roberto quando rolou aqueleevento no Teatro Francisco Nunes, o Hip Hop In Concert; e ele levou a demanda pro (vereador) Arnaldo Godoy. Isso foi em 2008, acho. O Arnaldo marcou uma reunião com o secretário da Regional Centro-Sul, fizemos um material de apresentação e fomos junto com ele. O cara respeita muito o trabalho do Arnaldo e foi por acreditar no que ele estava pedindo que autorizou. Ganhamos isenção de todas as taxas. Foi aí que a gente passou a ter o alvará, a estar autorizado a fazer uma manifestação na rua, com sonorização. Nessa reunião a gente já expôs a demanda do espaço, que faltava iluminação, que o lugar precisava de limpeza. Hoje a gente tem ponto de energia, nós temos a chave dele e tal. Se dependesse só da gente, tava lindo. A gente não tem segurança. Tipo, precisava conseguir um banheiro químico, aí foi rolando o banheiro químico um tempão. Mas daí o banheiro químico sumiu. Toda sexta eles levavam e buscavam. A polícia parou de ir porque eles precisavam de ter as condições pra trabalhar, e o banheiro era uma delas. Mas isso aí rolou depois de acordos com a Prefeitura, com a Polícia Militar, com a Belotur e tal. Tudo faz parte de uma negociação sem fim, muita articulação, muita reunião.
Eu acho que o Duelo de MC’s ajudou a mudar o entendimento sobre aquilo que é nosso. Tipo assim, porque o brinquedo já tava lá, só faltava colocar uma pilha, saca? As conquistas que o Duelo fez ao longo desses quatro anos era o que faltava, era alguém ter atitude, alguém chegar e falar “não, eu vou meter a mão na massa, vou fazer”. A gente começou a mostrar pras outras pessoas que a gente tinha condições de fazer acontecer. Eu acho que foi isso, o Duelo foi um incentivo pra galera.
Aí veio o momento em que rolou a interdição, o decreto da Praça. A galera começou a fazer a mobilização da Praça da Estação e já conectando agente assim, de imediato. Então você vê como está completamente ligada a parada. A gente participou na medida do possível, a gente foi sempre botando pilha, e tipo “não, tamo apoiando sim, tamo junto, se não tiver aí pode ter certeza que nós estamos daqui fazendo o possível”. Pra somar.
Daí em diante foi acontecendo uma porrada de coisas… Tem a ocupação debaixo do viaduto da galera do skate, a galera do Rotatória do Azucrina chegou, a galera do rock gospel. Vira e mexe aparecia gente, e aparece até hoje, e vem falando, “ô, véio, a gente tá a fim de fazer uma parada aqui no Viaduto, como é que faz? Vocês podem ajudar a gente de alguma forma, como que a gente consegue autorização e tal?” A gente viabiliza do jeito que a gente pode, ou indica, ou vai lá e faz o corre.
Teve, por exemplo, o evento de Bboys que chamava Cincorings — que é um evento lá da Europa. Os caras queriam fazer debaixo do Viaduto uma eliminatória sul-americana, mas eles não iam fazer sem a gente junto. Veio vindo outras pessoas, outros segmentos musicais também. Depois que a gente tava lá, eu vi coisa de teatro, tipo, intervenção de teatro, sabe? Depois de um bom tempo veio Nelson Bordello e, quando eles foram abrir a casa, a primeira coisa que eles fizeram foi chamar a gente para reunir. A gente conversou pra caralho, da parceria, de a gente tentar fazer coisas casadas. Eles gostaram muito dos Duelos, queriam contribuir para as construções do espaço, daí já deu uma somada. Agora veio o Espanca!, que veio tomar partido disso também.
Tipo, o mais forte do Duelo, no meu ponto de vista, é que ele cumpre com a proposta inicial que era reunir as pessoas num mesmo espaço onde elas pudessem se encontrar, se conhecer, trocar ideias, desenvolver ideias e, a partir daí, nasceram outras ideias. É isso que tem acontecido. Eu acho que a partir da possibilidade de as pessoas se encontrarem num mesmo espaço, foi vindo gente. “Porra, vamo juntar, vamo fazer uma força, vamo fazer isso aqui”. E foram surgindo outras coisas na cidade que já estavam por aí, tavam meio mornas, só precisou dessa recarga.
Tem hora que eu acho que o Duelo é um dos grandes responsáveis pela cena cultural da cidade hoje. Posso até estar enganado, mas eu acho que a onda cultural tá bombando muito devido ao Duelo. Talvez estivesse também se o Duelo não tivesse surgido, mas ele teve um pouco esse papel de encorajar, de fomentar… e de seguir lutando pra continuar.