Revista Marimbondo

DUO

Uma mulher, uma mesa, uma cadeira.
Ela não está só. Polifônica, ela escuta suas vozes!
Vestido camisa de força que se abre, Maria Bonita.
Quem está em seu guarda-roupa? Invasões, amarras, ataduras,
panos que se prendem e soltam.
Boletim de ocorrência de um delírio.
O que nos prende e o que nos faz seguir.
Uma mulher e seu vestido, qual marca carrega este corpo?

DUO, espetáculo do Núcleo de Criação e Pesquisa Sapos e Afogados, é um solo singular em sua pluralidade. Em cena, elas são duas: Silvia Maria, atriz usuária da Saúde Mental, e Renata Corrêa, “tradutora cênica” que também explora em cena as potentes relações com o delírio.

A montagem, atualmente fora do repertório, tem direção da idealizadora do grupo Juliana Barreto, também responsável por criar a dramaturgia a partir dos recortes de memória de Sílvia e de outras experiências e exercícios realizados pelo Sapos e Afogados. O espetáculo foi apresentado pela primeira vez em 2011 em Trieste, cidade que tem papel de destaque no movimento de reforma psiquiátrica antimanicomia [!].

[!] O médico e psiquiatra italiano Franco Basaglia, precursor do movimento de reforma psiquiátrica conhecido como Psiquiatria Democrática, foi nomeado em 1970 diretor do Hospital Provincial na cidade de Trieste. As mudanças que promoveu ali foram reconhecidas em 1973 pela Organização Mundial de Saúde, que credenciou o Serviço Psiquiátrico de Trieste como principal referência mundial para uma reformulação da assistência em saúde mental.

SAPOS E AFOGADOS

O Núcleo de Criação e Pesquisa Sapos e Afogados foi formado em 2002 a partir do trabalho da atriz Juliana Barreto nas oficinas de teatro nos Centros de Convivência da Rede Pública de Saúde Mental de Belo Horizonte. Nas experiências em grupo, despertou-se em parte dos usuários o desejo de ir além e tornarem-se atores “de verdade”. E é por meio das pesquisas e estudos da “verdade” de cada usuário de saúde mental, aliadas à pratica teatral, que o grupo busca um novo campo de criação. Se o sujeito psicótico é geralmente expulso para as margens, com o trabalho, o grupo busca ofertar a ele novos lugares, novas maneiras de circular pelo mundo, pela cidade, pelas telas e pela cena com outro nome. Segundo Juliana, no trabalho com a psicose, cria-se, antes de um personagem, um outro lugar para aquele sujeito: o de ator. A partir do autorreconhecimento dos usuários como artistas, o delírio é transformado em discurso poético e permite também repensar e ampliar as formas de conceber a criação cênica. A partir dos recortes de memória apresentados nas dinâmicas de criação, Juliana trabalha a dramaturgia dos espetáculos do grupo. As narrativas de delírio e experiências dos atores-loucos (como preferem se identificar) são matéria-prima para a criação cênica – o que significa que, em cena, somos apresentados não ao delírio dos atores, mas a momentos de estado de jogo em que é permitido tecer e brincar com metáforas delirantes travadas com o espaço, com o próprio corpo e com o outro.

FICHA TÉCNICA

Direção: Juliana Saúde Barreto
Assistente de direção: Elon Rabin
Figurino: Luciana Mendes
Caracterização: Cacá Zech
Colaboração: Luciana Mendes e Renata Corrêa
Atuação: Silvia Maria e Renata Corrêa
Produção: Renata Corrêa