Há tempos as mulheres estão em cena e falando de questões caras a elas. Mas o que se vê nos últimos anos, em Belo Horizonte, é uma movimentação de artistas dispostas a colocar em evidência a questão feminista em suas criações teatrais. A atriz Marina Viana observa que levantar explicitamente a bandeira do empoderamento da mulher tornou-se necessário não somente para ela, mas para artistas de diferentes trajetórias e de gerações, já que nos encontramos diante de um contexto de “opiniões extremas e discursos medievais”. Calor na Bacurinha é um de seus trabalhos como diretora e, entre muitos outros pela cidade, tem colocado a questão em evidência nos palcos.
O espetáculo do coletivo A Peregrina surgiu em 2014 como cena curta, ainda sob a direção do bailarino e coreógrafo Guilherme de Morais, e evidenciava o empoderamento da mulher, a libertação dos seus corpos e de sua sexualidade por meio da nudez, da ação e do discurso. Em 2015 passou às mãos de Marina, e a mudança de direção abriu nova trilha para o discurso feminista apresentado: o que antes parecia uma performance festivo-combativa, com a qualidade de colocar no mundo imagens da potência dessas mulheres, no encontro com Marina, tornou-se um discurso mais politizado e interseccional, atravessado por outras opressões, como o racismo e a transfobia. As reações do público têm sido as mais diversas. Do homem que queria sair no meio do espetáculo, mas a mulher que estava junto se recusou, ao senhor que avisou que traria as filhas no dia seguinte.
Antes das “Bacurinhas”, o trabalho de Marina já costumava colocar a mulher em posição de poder, tanto nos solos que faz quanto nos grupos com os quais atua, Mayombe e Primeira Campainha. “É uma questão que sempre fez parte da minha vida e um tema recorrente. No ‘Sobre Dinossauros, Galinhas e Dragões’, três mulheres fazem luz, projeção, tudo. Para mim, isso é extremamente feminista”, diz. Mas ela percebe a diferença do momento atual. Se, cinco anos atrás, indagava-se em cena “que bandeira eu dou, que camisa eu visto, que refrão eu decoro?”, sentindo as utopias desgastadas, e ironizava o machismo e o patriarcado nas entrelinhas, hoje sabe exatamente quais bordões cantar.
Ao opor a socialização de homens e mulheres, Rosa Choque também questiona frontalmente o machismo. Três cenas dão uma boa ideia dos caminhos que percorre o espetáculo, idealizado pela atriz Cris Moreira e dirigido por Cida Falabella. Na primeira, Cris e o ator Guilherme Théo enunciam as definições de homem e mulher prescritas no dicionário, chamando a atenção para o machismo implicado em expressões como “mulher da rua” (“prostituta”), enquanto “homem da rua” significa “homem do povo”. Na segunda, invertem os papéis ao representar a situação de um homem estuprado que vai prestar queixa na delegacia. A ficção desloca o sujeito à violência sexual e à culpabilização da vítima para o gênero masculino. A terceira, enfim, é um depoimento pessoal de Cris sobre uma violência sofrida no passado, uma irrupção do real que intensifica o efeito de verdade do espetáculo.
Cris faz parte de um conjunto de artistas mulheres que não milita nos movimentos feministas, mas mantém uma relação pessoal com a questão. “Minha postura feminista tem a ver com liberdade e me ajuda a desestruturar relações de poder nos processos de criação”, observa. “O meu feminismo está nesse lugar de pensar a sutileza das coisas que a gente reproduz o tempo inteiro. E parar. Porque, fazendo isso, fazemos coisas maiores”, acredita. Apesar de Rosa Choque acionar diversas frentes da discussão, a atriz sente falta ainda de falar sobre a questão religiosa e aprofundar a do feminicídio, contemplando o conjunto das violências simbólica, psicológica e física decorrentes do machismo.
Ponto controverso entre algumas feministas, manter o diálogo aberto com os homens é importante para Cris na busca pela igualdade, tanto que ela divide a cena com Guilherme. Por outro lado, já questionada sobre por que não aborda também o machismo contra homens, a atriz responde que colocá-los à frente dessa luta, ainda com tanto a conquistar pela mulher, seria machista. O depoimento pessoal de Guilherme é uma espécie de nó dramatúrgico no espetáculo. Embora empático às mulheres, o ator atribui à mãe a responsabilidade por uma criação machista e lamenta “ser machista sem querer”. Para Cris, porém, o efeito positivo de esse machismo transparecer é que os espectadores homens identificam-se e o percebem como machista. “Muitos homens falam que só entendem o absurdo de certas coisas quando pensam que poderia ser com eles”, relata Cris. “Inclusive homens que não se acham machistas porque são sensíveis, mas são machistas”.
Estranhar algo que antes estava naturalizado faz parte do processo de desconstrução do machismo. É o caso da maternidade compulsória. Talvez As Rosas do Jardim de Zula não seja o primeiro espetáculo a vir à mente quando se pensa em feminismo, mas basta ponderar sobre o tratamento desmistificador da figura materna para perceber o caráter feminista da obra idealizada pela atriz Talita Braga e dirigida por Cida Falabella. “Eu estou me entendendo feminista”, diz Talita, que iniciou o processo criativo sem consciência disso, impulsionada por uma história pessoal: a mãe, Rosângela, deixou a família e foi viver na rua. “A grande questão era essa mãe que abandona e é crucificada. Mas, se um pai faz isso, está tudo bem. Em vários debates depois da peça, ouvi que ‘mãe não pode, mãe é mãe'”, relata a atriz.
Seu próximo trabalho, Madre, dirigido por Grace Passô, volta ao tema multiplicando as vozes. O processo criativo partiu da coleta de depoimentos de diversas mulheres sobre assuntos como depressão pós-parto, construção cultural do amor e o suicídio de um filho. Elas foram ouvidas durante workshops, intermediados por uma psicanalista, que ocorreram nas vilas Santa Rita e Zilah Spósito e no bairro São Geraldo. A proposta era que cada pessoa fizesse uma performance para falar de sua vivência. Outros depoimentos vieram por e-mail. “São vozes que se contradizem para falar da maternidade, até porque a maternidade é pregada como única, linda, uma bênção de Deus, e não é bem assim”, diz Talita.
Para a própria diretora de As Rosas no Jardim de Zula, Cida Falabella, essa desconstrução veio mais tarde. “A minha visão sobre maternidade, a partir desse trabalho e de outras vivências, mudou mesmo. Antes eu achava que toda mulher deveria tentar ser mãe. Hoje, vejo que não é necessário, é uma escolha”, diz Cida. Em seu solo Domingo, que estreou no início de 2015, ela recebe espectadoras e espectadores no quintal de sua casa, no bairro Serrano, onde partilha memórias, emoções e a mesa de café. O feminismo vai aparecendo entre as frases da atriz sobre sua vida amorosa, na busca de uma imagem de empoderamento para si mesma, e por alegria, prazer e afeto, a dois ou a sós, após os filhos criados, um casamento encerrado e outros amores vividos.
O que vemos em cena é a mulher madura: essa figura apagada no regime de imagens juvenis ditado pela publicidade. Basta pensar quem são os modelos públicos de beleza e de sucesso, e por que eles raramente se aproximam de mulheres com experiência de vida. “É muito maluco o que a sociedade vai fazendo com você: tirar o seu poder quando você tem mais poder, que vem pela experiência”, diz Cida. “Se o padrão é uma menina de 18, com o corpo todo lindo, a mulher de 50 ou vai buscar outro imaginário para si ou sua vida acabou. Vejo muitas pessoas da minha idade que não pensam mais no poder nem de sedução nem de vida, porque é o que está sendo vendido o tempo todo”, analisa.
Hoje, interessa-lhe especialmente incluir mulheres comuns que estão fora da discussão, suas vizinhas de bairro, por exemplo. “Tem um discurso feminista que é muito voltado para uma faixa etária, para uma faixa social. Fico pensando em como fazer com que mais mulheres possam compreender essa questão no seu dia a dia”, diz. Muitas das vizinhas, inclusive, têm dificuldade de ir assistir a Domingo. “Talvez por medo ou por ainda estarem muito ligadas a uma rotina que é imposta por outras pessoas: os filhos, os maridos, os netos. A rotina doméstica é massacrante”, pondera.
Na direção de Rosa Choque e As Rosas... ou em cena em Domingo, Cida vai do posicionamento público ao particular. “Talvez sejam dois lados da mesma moeda. O feminismo como luta social e política na rua e o feminismo íntimo meu. Quando se pensa no espaço público, o discurso é muito importante, mas o espaço doméstico é onde ocorrem as maiores violências contra a mulher, das físicas às mais sutis. Essas ideias se complementam”.
No próximo espetáculo, ainda no campo das ideias, provisoriamente batizado de Todas as Histórias de Amor São Banais, Cida também pretende ampliar as vozes de mulheres comuns para que possam contar suas histórias. “Parece que essas relações amorosas com maridos, filhos e companheiros ou companheiras sempre trazem uma dor muito maior para a mulher, uma doação excessiva que a gente tem de investigar. É uma construção cultural”, constata.
Interseccional
É na intersecção entre os movimentos feminista e negro que atuam as atrizes e cantoras do Coletivo de Negras Autoras. Elas estrearam neste ano seu primeiro espetáculo cênico-musical, “Negr.A”. São cinco mulheres no palco, Nath Rodrigues, Eneida Baraúna, Elisa de Sena, Manu Ranilla e Julia Dias, e uma na produção, Aline Vila Real. “Quando a gente juntou as músicas, viu que estava falando da trajetória da mulher contemporânea”, diz Elisa de Sena, chamando a atenção para a raridade de se verem cinco mulheres compositoras – e não apenas intérpretes – em cena.
Elementos da arte africana são trazidas para os corpos, que dançam, cantam e falam os textos. Um modo de ser ao mesmo tempo próprio delas e ancestral, que recupera a ligação dessas ações com funções sociais e rituais, tais como praticadas em diversos países. As autoras falam de amor, luta e de preconceitos que vivem. Às questões que afligem mulheres de modo geral, somam-se as singularidades da vivência da negra que ainda carecem de visibilidade. “Quando as feministas começaram a ir para a rua, muitas vezes as mulheres negras estavam ainda na cozinha, cuidando dos filhos delas”, diz Elisa.
Ela cita problemas específicos desse recorte racial como exemplos das relações amorosas. “Como as mulheres têm se tornado mais autoras de sua própria história, o relacionamento com os homens não é tão simples, elas já não aceitam como antes. A mulher negra ainda tem que lidar com o racismo do homem branco e da família dele, e, se ela quiser se relacionar com o homem negro, não consegue, porque existe uma questão histórica de que o negro, para ser aceito na sociedade, precisa de uma branca do lado”. Além disso, “até hoje, o maior número de mães solteiras é negra”, diz Elisa, seja por abandono do companheiro ou em decorrência do alto índice de homicídios de homens jovens nas periferias.
Embora as condições estejam melhorando com a lei antirracismo e as mulheres negras alcancem mais lugares, ela considera que o teatro ainda é “muito elitista e branco”. “Algumas dessas mulheres negras que estão chegando já fizeram a transição de classe social, mas vejo ainda como um lugar segregador”, observa. Basta lembrar os papéis cristalizados da mulher que serve ou que é símbolo sexual, comumente reservados às atrizes negras. “A gente é muito mais do que isso”, diz.
O feminismo interseccional é também aquele com o qual mais se identifica a artista Nina Caetano, por “pensar em outras linhas de opressão em relação à mulher: ser mulher e negra, trans e mulher, lésbica e mulher”. “Acho interessante esse feminismo que considera as diversas mulheres”, diz a performer. No trabalho com o coletivo Obscena, essa questão apareceu cedo, desde que o agrupamento se formou, em 2007, em torno da Maldita Cia. A pesquisa partiu de um projeto chamado Às Margens do Feminino, que lidava com as imagens da puta, da louca, da velha e da criminosa.
Foi naquele momento que Nina e Lissandra Guimarães conheceram Hozana Passos, da Marcha Mundial das Mulheres, e começaram a integrar suas ações com as do movimento feminista e a participar de mobilizações de ordem social. O movimento também se interessou pelo trabalho delas, convidando-as para ações. “Elas percebiam que havia no tipo de coisa que a gente propunha um deslocamento do discurso que era interessante, porque, às vezes, a coisa no movimento era muito direta e unívoca, com muita palavra de ordem”, conta Nina. “A partir daí, tenho me alinhado cada vez mais a essa relação entre o aspecto performático-estético e questões políticas. Às vezes, tento fugir e falar de outras coisas, mas invariavelmente não consigo, porque está na carne, na pele. É difícil não tratar disso sendo mulher”, diz.
Uma das organizadoras da DiversaS – 1ª Mostra Feminista de Arte e Resistência e coordenadora do núcleo de pesquisa Ninfeias, dentro da Universidade Federal de Ouro Preto, Nina hoje investiga, como performer, professora e mulher, o projeto Corpos Estranhos, Espaços de Resistência, conectando violências físicas e simbólicas. “Para mim, todos os âmbitos do modo como a mulher é colocada socialmente estão relacionados. A violência está muito ligada à questão da padronização, que coloca a mulher como objeto e propriedade”, observa.Na performance Espaço do Silêncio, ela trabalha com lençol branco, roupas, cruzes e tinta vermelhas, escrevendo em etiquetas-lápides os nomes de mulheres vítimas de feminicídio, o lugar onde morreram, com qual idade, quem e como as matou.
O recente assassinato de uma mulher quase à porta da casa da artista em Ouro Preto foi impactante e reforçou a questão do luto em suas intervenções. Nina também investiga a culpa como parte do imaginário cristão ocidental. “Vejo uma oposição entre a noção de puta e de santa; entre a imagem ideal da Nossa Senhora, absolutamente sem pecado, e todas nós, que carregamos culpa. Tenho percebido nas notícias esse espaço de culpabilização da mulher, desde o estupro que sofreu ao suicídio do namorado”, diz Nina. Além disso, ela vem trabalhando há algum tempo com dinâmicas de desnaturalização desse corpo na oficina “Como se Fabrica uma Mulher”, ministrada exclusivamente para mulheres, em que usa imagens do padrão feminino, tais como a boneca e a princesa, para a desconstrução de gênero.
Deslocamentos
Para a performer Ana Luisa Santos, criadora de ações como Trans, com Guilherme Morais, Trepadeiras de Plástico e Por uma Performance Queer ou o Direito aos Grandes Lábios, a questão é justamente esse deslocamento: “muitas vezes, o feminismo acontece para tirar do lugar, mudar o ponto de vista”, diz. Nesse movimento, ela assume a perspectiva queer como uma inquietação que não traz respostas, mas incentiva a “assumir politicamente nossos corpos” e a renunciar à representação binária da corporeidade, como é a oposição homem-mulher.
“Sinto que, como artista, exercito outras possibilidades de existência. E isso implica criar novas possibilidades de relacionamento com o mundo, recusando um lugar definido, muitas vezes imposto por um sistema cultural tecnológico historicamente construído em torno de uma organização social injusta, repressora, especialmente para o feminino”, diz. Embora geralmente esse feminino seja visto como a expressão da mulher, ela distingue os termos: “Acredito que ‘mulher’ é diferente de feminino, porque implica um lugar (social, simbólico, biológico, estético…). Por isso digo que não sou mais mulher. O exercício do feminino é muito mais complexo do que a ideia de mulher. Como artista, gosto de expandir esse deslocamento como um meio de potencializar a percepção e os sentidos do corpo”.
Ana investiga referências para além das imagens machistas geralmente acessíveis na cultura brasileira. “É da ordem da invenção esse novo espaço de atuação. Por isso, é muito importante ter esse debate como potência de transformação do que eu e do que as pessoas imaginam como o meu corpo, a fim de entender, como performer, possibilidades de ação política”, diz. No momento, ela desenvolve o projeto O QUE VOCÊ QUEER, plataforma artística em parceria com a artista Fernanda Branco Polse para a criação de performances, publicações independentes de zines e dramaturgias e para a proposição de residências artísticas.
Em resposta ao conservadorismo
Singularidades à parte, todas as entrevistadas percebem a força que o posicionamento feminista tem demonstrado nos espaços cênicos instituídos ou não de Belo Horizonte e, no caso de Nina Caetano, de Ouro Preto. “Tenho percebido no próprio movimento feminista a entrada de muitas artistas nos últimos anos e, também, a busca por práticas performativas, dentro do próprio movimento, nos atos públicos”, comenta Nina.
Para ela, assim como para Marina Viana, a diferença é que talvez antes o feminismo aparecesse disfarçado, e hoje tem-se assumido uma posição política clara. “Está havendo uma desmistificação do que é o feminismo”, avalia a performer, citando apropriações do movimento, como a feita pela marca Chanel, que estampou numa bolsa a frase “Feminista, mas feminina”. “Nem sei se é bom para a gente ver esse tipo de captura pelo capitalismo. Mas, por outro lado, faz com que as pessoas se sintam mais tranquilas para assumir, embora ainda haja muito ódio em torno da feminista”, diz. Além disso, ela aponta a própria clareza crescente das mulheres sobre sua força, o que já não permite aceitar calada a publicidade machista, por exemplo.
Pesam ainda outras variáveis do contexto atual do país. “Vivemos um momento muito louco, de questionamento de privilégios, de um concerto/conserto de panelas, o espaço íntimo/privado muito misturado com o espaço público/coletivo. Observamos reações de vários vetores – progressistas, mercadológicos, reacionários, alienados, utópicos, indiferentes… As pessoas, assim como as panelas, estão saindo dos armários… Estão experimentando posicionamentos, temporários ou não…”, observa Ana Luisa.
Cida Falabella também atribui o fortalecimento da cena feminista à reação dessa onda conservadora. “Tenho a impressão de que há um Brasil que a gente ficou fingindo que não existia e que agora emergiu com uma força que assusta. Não me lembro, desde quando eu comecei a trabalhar, nos anos 1980, de essa discussão ser tão forte no teatro. Trinta e cinco anos depois, você tem que discutir questões que pareciam estar resolvidas. O que aconteceu? Será que elas não tinham visibilidade? Parece que esse traço conservador do brasileiro, essa Casa Grande que não descansa, está sempre na vigília da gente tentando impor um padrão. Acho que a arte tem o papel de dar resposta e colocar luz em cima disso”.
Para Cris Moreira, as redes sociais têm sua participação nesse cenário. “O preconceito vira opinião, e as pessoas morrem por causa de opinião”, diz a atriz. Para Talita Braga, essa questão se desdobra na dimensão convivial. “A gente fala muito da carência de encontros verdadeiros nesse mundo sempre mediado pelo virtual, espetacularizado demais, em que a pessoa sente que está testemunhando algo que está acontecendo agora, sendo construído junto”, observa a atriz.
Real
As formas de levar esse posicionamento à cena, de construí-lo artisticamente, têm sido diversas entre si. E “híbridas esteticamente” – como diz Ana Luisa Santos –, o que reflete a própria heterogeneidade do feminismo, que se desenvolveu historicamente em vários movimentos e continua em expansão. Desde os anos 1970, a performance se mostra um campo privilegiado para a ação feminista. “É muito natural, num certo sentido, que questões tão liminares – para usar um termo da [pesquisadora Ileana] Diéguez – acabem aparecendo em linguagens também liminares. Como essa questão de ordem feminista é política, ética e estética, vai buscar linguagens que vão transitar também nesses limiares”, analisa Nina Caetano.
Para Cida Falabella, é na medida em que “rasura o traço entre a pessoa e o personagem e dá voz ao discurso daquelas pessoas” que a performance responde com mais prontidão aos tempos atuais. “Talvez o traço mais forte (na cena teatral feminista belo-horizontina) seja o de aproximar a vida e a arte mesmo, o que passa um pouco pelo teatro documentário, teatro e realidade, performance, intervenção”, analisa a diretora e atriz. Cris Moreira também aponta esse caráter menos ficcional do “ator em cena como ele mesmo, se posicionando” como aspecto central. “Tem a ver realmente com ter voz e querer se colocar”, ecoa Marina Viana.