Belo Horizonte não é uma esquina. Planejada como tabuleiro de xadrez, a cidade foi sendo feita de muitas curvas, retas e quebradas, outras esquinas, várias parábolas, bifurcações, encruzilhadas. Dentro da Avenida do Contorno, esmero modernista de retidão, aqui e ali foram surgindo ruas e avenidas que transgrediam a percepção de que esquina é ângulo de noventa graus. O olhar que assim a vê só é possível de ser sustentado a partir de uma visão estreita da cidade, de suas pessoas, de seus caminhos e de sua cultura. Há por aqui aqueles que querem manter as fronteiras, fomentar muros, criar/reforçar distinções entre as ruas, os bairros, as regiões de BH. Há outros que vão mais além, querendo apagar do mapa aquilo que entendem como torto, intrusivo, rabiscado, aquilo que é movediço, poroso, permeável, plasmático.
Tal como a cidade, a música belo-horizontina é por vezes entendida como esquina, e não como território amplo, permeável, com caminhos que se entrecruzam, se trombam, se esbarram, se afetam, com inversões e trocas intensas, mesmo quando não facilmente percebíveis. Pensar a música de Belo Horizonte, como a de todo (o) mundo, não diz respeito somente à questão de músicos e compositores, notas e melodias, arranjos e letras, mas também a um lugar em que cantam várias vozes e que tem como componentes também o público, o imaginário, a cultura, as relações e certo tipo de tradição. Tampouco se trata de apenas deixar falar uma voz hegemônica audível e reconhecida, mas de trazer também outras vozes, muitas vezes elididas ou abafadas, que passeiam por diversos territórios que nem todos compartilham. Refletir sobre a música belo-horizontina – sem ser no paraíso imaginativo da esquina da retidão – cria a necessidade de ampliarmos o alcance dos ouvidos, nos desacostumarmos com as audições a que estamos familiarizados, cruzando toda sorte de territórios.
Outras esquinas
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fevereiro de 2015