O Conselho Municipal de Cultura (CMC) de Belo Horizonte é uma demanda antiga da cidade que, desde a década de 1980, tem sido debatida por diversos atores da classe artística e cultural. Além de ser um espaço para pensar e definir as diretrizes gerais da política cultural do município, sua existência é uma das premissas para que as cidades possam usufruir do Fundo Nacional de Cultura, do governo federal.
A lei que o instituiu foi publicada em 2 de junho de 2008, e sua implementação estava prevista para ocorrer ao longo de 2009 e 2010. Entretanto, foi apenas em 23 de março de 2011, em uma audiência pública requerida pelo Movimento Nova Cena e realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte, com a presença de cerca de quatrocentas pessoas envolvidas na área cultural, que o CMC entrou de fato em pauta.
Nesta audiência (em que estive presente), a Fundação Municipal de Cultura (FMC) foi questionada sobre a inexistência do Conselho. O debate se estendeu também para questionamentos sobre a falta de aumento nos recursos disponíveis para a Lei Municipal de Incentivo à Cultura, as más condições de funcionamento dos equipamentos culturais, além da desatualização de mais dois anos do site da FMC. Apesar de terem sido convidados, nenhum representante do governo compareceu.
Como um dos desdobramentos mais imediatos das discussões, organizamos a Caminhada pela Cultura, que ocorreu em 28 de abril — uma segunda-feira. Cerca de cem manifestantes se encontraram, às 15h, na porta do Teatro Marília para seguirmos até a Prefeitura, com faixas, cartazes e “barulho”. Lá, encontramos o Movimento das Brigadas Populares — desde a manhã acampados na escadaria da Avenida Afonso Pena com suas famílias e pertences — a reivindicar moradia para os cidadãos que vêm sendo desalojados de ocupações. Unimos nossos gritos em “cultura e moradia não são mercadoria!”.
Informados de que seríamos recebidos, nos dirigimos à entrada da Rua Goiás, ainda em marcha, gritos e cores, percorrendo a Avenida Afonso Pena e a Rua da Bahia. Ao chegarmos, soubemos que seria preciso eleger uma comissão para que o diálogo fosse estabelecido.
O Secretário de Governo, Josué Valadão, nos recebeu já de posse de páginas impressas contendo algumas de nossas reivindicações. Ele afirmou ter lido naquela manhã matéria sobre a caminhada em um jornal da cidade e que quis estar preparado para o encontro. Além dele, estiveram presentes o assessor-chefe da Comunicação da Prefeitura, Régis Souto e a presidenta da FMC, Thaís Pimentel. Durante duas horas e meia conversamos, expusemos nossas questões e dois compromissos foram assumidos pela Prefeitura:
1) a garantia de participação popular em todo o processo de implementação do Conselho Municipal de Cultura, incluindo a discussão da minuta do edital de eleição do mesmo, conforme estabelecido pelo Diário Oficial do Município (DOM);
2) o aumento dos valores destinados à Lei Municipal de Incentivo à Cultura, ainda neste ano, referente aos projetos inscritos em 2010.
A partir dali, foi convocada uma reunião pública pela FMC para o dia 4 de abril para se discutir a minuta do edital do CMC. Ao estudarmos a minuta do edital e o decreto que o regulariza, então já publicados, percebemos uma incongruência em relação ao quesito representatividade do conselho na democracia participativa. Os conselheiros de cada um dos seis segmentos culturais seriam escolhidos pelas entidades representativas, isto é, organizações sociais registradas no “Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas”. Tal definição é um contrassenso ao que hoje se entende como mobilização cultural, ou seja, algo que não aciona sua atuação pelas entidades, mas que se articula pelas redes culturais que conectam as vidas das pessoas. Dessa forma, não é necessário fazer parte de modo institucionalizado de alguma entidade, mas “apenas” estar interessado em transformar as políticas da área. Contar com os votos ampliados para eleição dos conselheiros não significaria, portanto, desacreditar as entidades, mas sim estimulá-las a se articular, colocar seus representantes e acionar seus associados a participarem do processo eleitoral.
Além desses conselheiros da sociedade civil, mais nove – um de cada regional – seriam eleitos pelos moradores de cada um desses territórios, compondo com os quinze conselheiros escolhidos pelo poder público um conselho paritário.
Feito tal questionamento, houve, por parte de integrantes das entidades representativas e da FMC, certa resistência em rever esse artigo da minuta do edital. Seria necessário modificar o decreto para, depois, se pensar a minuta da eleição. Para solucionar o impasse, foi instituída uma comissão paritária, composta por sete funcionários da FMC e sete pessoas da sociedade civil (incluindo eu) dispostas a estudar e discutir ambos os documentos.
Entre os dias 4 e 24 de abril, a comissão paritária se reuniu em três momentos para discutir individualmente cada artigo do decreto. Durante todas as reuniões, alguns membros da FMC defenderam a continuidade da escolha dos conselheiros de cultura pelas entidades e não pelos seus pares. Discutimos e votamos, sendo a proposta de cadastramento do maior número possível de pares a escolhida. Mesmo assim, o assunto já discutido e descartado sempre voltava à tona. No último encontro, anterior àquele em que seria apresentada a minuta do novo decreto, essa mesma equipe apresentou dois modelos. Um deles trazia novamente no texto os conselheiros sendo eleitos pelas entidades representativas.
Em 27 de abril, dia que seria estabelecida em reunião pública a minuta do novo decreto, ainda permanecia o embate, desta vez com resistência de alguns daqueles que defendem as entidades representativas. Para o exercício do diálogo, ressaltamos a necessidade da participação efetiva da sociedade civil na composição paritária do CMC, o caráter deliberativo que lhe é atribuído, seu poder na construção da política cultural do município, além de nossos esforços e trabalho para que tal espaço seja ocupado por pessoas comprometidas ética e politicamente com a cultura de Belo Horizonte. Ao final da reunião, por meio de muito debate, propostas e poucos desentendimentos, a minuta do edital em que trabalhamos foi aprovada.
Então publicado no DOM, como um novo decreto que regula a instituição do CMC, caminhamos na luta pela construção de uma política cultural ampla, capaz de articular as demandas, interesses e desejos de toda a cidade.
Em 9 de junho, o edital para eleição dos conselheiros foi colocado sob consulta e, dezenove dias depois, foi realizada uma reunião pública para aprovação do edital e instituição da comissão eleitoral paritária. Logo no começo de julho, tiveram início os trabalhos e processos de cadastramento, candidaturas e divulgação. Nos dois meses seguintes, a comissão eleitoral estudou e elaborou o modo como as assembleias eleitorais ocorreriam, além de analisar toda a documentação de cadastramento dos eleitores e candidatos. No dia 11 de setembro, no Colégio Municipal Marconi, foram eleitos os conselheiros municipais de cultura representantes dos segmentos. No domingo seguinte foram eleitos os conselheiros das regionais.
CONSELHEIROS MUNICIPAIS
Artes Cênicas: Cida Falabella / Não houve suplente; setor não apresentou outra candidatura
Audiovisual: Anna Flávia Dias Salles / Suplente: Silvana Soares da Silva
Artes Visuais: Simone Zanol / Suplente: Brígida Campbell
Literatura: Anibal Henrique Macedo / Suplente: José de Alencar Mayrink
Música: Fernando Barbosa de Oliveira / Suplente: Lucas Mortimer
Manifestações populares: Alan Vinícius Jorge / Suplente: José Luiz Lourenço, o Mestre CongaCONSELHEIROS REGIONAIS
Barreiro: José Valter Dias / Suplente: Roberto Ferreira da Silva
Centro-Sul: Rafael Barros Gomes / Suplente: Silvestre dos Santos Filho
Leste: Elcio Ribeiro / Suplente: Francislei Henrique Santos
Noroeste: Célia Francisca Soares / Suplente: Aristóteles Caetano da Silva
Norte: Glaydson Dias de Paula / Suplente: Eliodora Neri Moreira
Oeste: Helio Azevedo de Paula / Suplente: Antonio Borges Nascimento
Pampulha: Wander Evangelista do Nascimento / Suplente: Eduardo dos Reis Evangelista
Venda Nova: Marcos Henrique Pereira Ribeiro / Suplente: Lúcia César dos Santos
Por conta de problemas no cadastramento de eleitores da Regional Nordeste, a comissão paritária definiu que o processo deveria ser refeito. Após nova eleição, realizada em outubro deste ano, Antonio Farias foi escolhido como titular.
Já os quinze membros do poder público, que também farão parte do Conselho, serão escolhidos pelo prefeito e, de acordo com a legislação, devem ser membros da FMC, da Belotur e das secretarias municipais de Políticas Sociais, de Governo, de Educação, de Planejamento, Orçamento e Informação, de Finanças, de Desenvolvimento e de Serviços Urbanos.
O processo político que as premissas de uma democracia participativa se propõem a desenvolver é muito mais oneroso e lento que os de uma democracia representativa. Porém, não podemos deixar de afirmar, mais uma vez, o quão mais assertivo se faz um processo consolidado a partir da participação do cidadão na vida pública. A instituição de um Conselho Municipal de Cultura em Belo Horizonte — não apenas um antigo anseio da classe artística e cultural, mas antes um direito – é uma conquista de toda a população da cidade, que deve continuar a se envolver nas discussões sobre seus permanentes desafios e desejos por novos avanços.
UMA RASTEIRA NA DEMOCRACIA
No dia 10 de novembro de 2011, o prefeito publicou o decreto nº 14.639, cujo texto que “Institui normas gerais mínimas de funcionamento para os Conselhos Municipais de Políticas Públicas de Belo Horizonte” começa anunciando que cada conselho terá autonomia para fazer seu regimento interno. Porém, na sequência podemos perceber que não é exatamente isso o que é instituído. O prefeito determina que apenas ele tem o poder de incluir ou retirar membros dos conselhos por meio de portarias, e que todas as pautas, relatos e anúncios de reuniões dos conselhos precisam ser notificados em uma rede interna da prefeitura. Isso inclui as reuniões extraordinárias, que precisam ser registradas no sistema com 48 horas de antecedência e ter sua pauta anunciada. O decreto também prevê a criação de uma gerência que acompanhará todos os passos dos conselhos em funcionamento em Belo Horizonte. Conselhos têm ou não têm autonomia? Só nos resta avaliar o funcionamento dessa gerência, ao longo de sua implementação.