Revista Marimbondo

Só ficou, em mim, recordação

– Milton Horta? Isso não é nome de sambista, não. Você vai se chamar Lagoinha!

Foi por conta do radialista da Rádio Guarani, Aldair Pinto, que Milton Rodrigues Horta passou a ser conhecido como Lagoinha, uma alcunha apropriada para o músico, cuja vida atravessa e é atravessada pelo samba e pela memória viva do tradicional reduto da boemia da capital mineira. “Eu sou história de Belo Horizonte mesmo. E história boa, não é história ruim, não”, diz.

Nascido em 1934, Lagoinha firmou seu primeiro contrato como cantor em 1956 na Rádio Inconfidência. De lá pra cá, acumula troféus e homenagens por sua contribuição para o samba belo-horizontino. Foi um dos fundadores da Escola de Samba Cidade Jardim, participou da inauguração da TV Itacolomi, tocou em “todas as casas” de Belo Horizonte e, como presidente da Velha Guarda do Samba, quer abrir a roda para a nova geração de sambistas da cidade. Mas a história que todos querem ouvir é aquela cantada no samba-desabafo Adeus, Lagoinha, composta ao lado de Gervásio Horta. “Até hoje eu vou nos lugares e não posso cantar outra música, todo mundo pede Adeus, Lagoinha, Adeus, Lagoinha”, ri.

“O samba foi composto na Praça Vaz de Melo, quando fechou o comércio para a passagem do viaduto. A praça era o ponto de encontro dos artistas que vinham para Belo Horizonte, da boemia, dos amigos”, conta. “Foi na Praça que Maria Tomba Homem foi presa. A polícia implicou com ela, mas ela não era mole. Não era grande, não, mas era forte. Prenderam ela lá e ela não voltou nunca mais”, conta, lembrando também de Cintura Fina, travesti que, assim como Maria Tomba Homem, era alvo das “implicâncias” da polícia. Em um passeio agridoce por essas memórias, fala com carinho do restaurante do Coelho, icônica figura da Praça. Coelho era o responsável pela cozinha, mas também zanzava pelas mesas servindo os pratos, sempre disponível para a prosa. Lembra-se também do cabaré Montanhês, aquele imortalizado no romance Hilda Furacão, e faz questão de corrigir a licença poética tomada por Roberto Drummond: “Eu sou sambista, eu não toco tango argentino. Naquele dia, eu toquei foi uma marcha carnavalesca esperta”, brinca.

No meio da conversa, compartilha um trechinho de um novo samba, este ainda sem gravação. “Minha Praça Vaz de Melo / famosa praça de tradição / daquela famosa praça / só ficou, em mim, recordação”, que termina já com a voz embargada. “Eu lembro dos caras lá e me dá um pouco de dor, não gosto muito de falar. Nós perdemos muito quando acabou a Praça. Daquela Lagoinha ficou só a saudade”.