Ao invés de reunir em uma matéria jornalística depoimentos de diferentes entrevistados, Marimbondo convidou a professora e pesquisadora Leda Maria Martins para mediar uma conversa com seis artistas residentes em Belo Horizonte sobre reflexões e questionamentos acerca da formação e da produção teatral no país, costurados pelo tema ‘Teatro Negro’. São eles: Alexandre de Sena, Aline Vila Real, Gil Amâncio, Meibe Rodrigues, Rui Moreira e Soraya Martins.
O formato de perspectivas em diálogo – experimentado pela primeira vez em Marimbondo – foi possível a partir de dois encontros, realizados em 25 de setembro e em 7 de outubro de 2015. Soraya e Rui estiveram presentes somente no primeiro; Aline e Gil somente no segundo. A participação de diferentes convidados em momentos distintos deu-se em função da compatibilidade de agendas dos artistas.
Apresentamos aqui alguns trechos dessa conversa. Marimbondo agradece, mais uma vez, a cada um por terem aceito o convite e pela generosidade de nos permitir a partilha com os leitores da revista.
Leda Martins é poeta, ensaísta, professora da UFMG e foi professora visitante da New York University. É especialista em Tragédia Grega, Teatro do Absurdo, Teatro Negro e Performance Negra. É doutora em Estudos Literários/Letras e possui dois pós-doutorados em Performance Studies pela New York University. Um dos seus livros, A cena em sombras, publicado em 1995, é ainda hoje referência na literatura sobre Teatro Negro. Leda Martins é também Rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá.
Alexandre de Sena é ator – graduado no curso de Teatro da UFMG e formado no Curso Profissionalizante de Teatro do Centro de Formação Artística – Cefar/FCS –, produtor, DJ (http://picumah.com/discotecagens-e-sets/) e programador visual. Em 2015, idealizou e coordenou o Rolezinho – Nome Provisório [!].
[!] Por meio de redes sociais, artistas negros de Belo Horizonte foram convocados para promover rolezinhos de criação e ensaio em locais públicos (preparados também como performances e intervenções urbanas documentadas). Do cruzamento dessas experiências com o material colhido em entrevistas, foi criada uma dramaturgia para culminar numa “cena que promova uma reflexão pelo desenvolvimento da linguagem teatral negra contemporânea”. bit.ly/1PWnf9V
Aline Vila Real é graduada em Comunicação Social pela UFMG, coordenadora do Teatro Espanca!, produtora integrante do Grupo Espanca! e do NEGR.A – Coletivo de Negras Autoras, tendo atuado na Cia. Será Quê?, FAN – Festival de Arte Negra, entre outros. Em 2015, teve o artigo Dramaturgia negra: políticas públicas necessárias para fortalecer o setor publicado no livro Africanidades e relações raciais (Fundação Palmares/MinC).
Gil Amâncio é músico, coordenador do NEGA – Núcleo Experimental de Arte Negra e Tecnologia, e pesquisador das artes e culturas do Atlântico Negro. Desde 1986, atua como professor de Trilha Sonora do Centro de Formação Artística – Cefar/FCS. Participa do Coletivo Black Horizonte e foi idealizador do FAN – Festival de Arte Negra, atuando como curador em algumas edições.
Meibe Rodrigues é graduada em Comunicação Social pela Newton Paiva e especialista em Educação Musical pela UFMG; é também atriz (SATED/MG), diretora e performer. Ministra oficinas teatrais e de preparação corporal em Belo Vale, na Comunidade Quilombola Chacrinha dos Pretos e no Grupo de Apoio à Criança e ao Adolescente da Comunidade Cabana. Foi também vice-presidente da NEGRARIA – Coletivo de Artistas Negros/as.
Rui Moreira é bailarino (Grupo Corpo, Cisne Negro, Balé da Cidade de São Paulo, Cie. Azanie), coreógrafo e investigador de culturas. ?Dedica-se a desenvolver criações coreográficas a partir de pesquisas de linguagens cênicas, promovendo interações com as matrizes culturais brasileiras. É um dos fundadores da Cia. SeráQuê? e criador da Rui Moreira Cia. de Danças.
Soraya Martins é Mestre em Teoria da Literatura pela UFMG com a dissertação Identidades Afro-brasileiras: Sortilégio, Anjo Negro e Silêncio, graduada em Literatura na mesma instituição, atriz pelo Teatro Universitário (UFMG) e pesquisadora da perfomance teatral afro-mineira. Foi monitora da Performance Multimídia: Abdias do Nascimento, um rito de recordação, no FAN (2011-2012), dirigida pelos curadores Leda Martins, Gil Amâncio e Ricardo Aleixo.
/// Parte I
Soraya: Eu e a Aline [Vila Real] tínhamos a missão de puxar o 10º Rolezinho do Alexandre [de Sena] e a gente falou assim: “vamos tentar instigar essa galera, tentar trazer para esse pessoal, resgatar nossos heróis”. Tem muita gente boa, tem muita coisa sendo feita, e a gente precisa exaltar, sair desse lugar de uma eterna lamentação. A ideia era cada participante se apresentar como se fosse um artista negro de Belo Horizonte ou do Brasil, um entre aspas herói nosso ou heroína nossa, para gente falar dessa memória, potencializá-la. A Aline levou a Clementina de Jesus, a Elisa de Sena levou a Lupita, o Alexandre de Sena fez apresentação do Gil Amâncio. E eu fui a última e falei: “nossa! Tenho de falar de uma mulher, eu vou falar da Leda”. E é legal essa potencialização, principalmente desse rolezinho, de resgatar essa memória, essas coisas boas que têm sido feitas, especialmente porque essa geração minha sempre parece que está começando do zero, sempre fala como se nada tivesse sido feito.
Leda: Na minha perspectiva, eu não me coloco no lugar de vítima, lugar que nos limita pensar. É um lugar que eu não gosto muito, que é um lugar de aparente conforto, é um lugar inclusive de mercado. O mercado tem utilizado isso nas últimas décadas de forma impressionante, até como valoração do trabalho. Porque denunciar, problematizar, não é necessariamente colocar-se como vítima. Como lidar com essas questões todas a partir desse olhar, um olhar de quem sempre foi afetado, nesses quinhentos anos, nós que somos descendentes de um deslocamento forçado, de um grande deslocamento forçado? Eu fico imaginando como é que o teatro, em geral, seja o teatro, seja a atividade performática, seja a performance, como é que nós lidamos com essas questões do nosso tempo? Porque até na visibilidade da violência contra vários povos, em geral a menos midiatizada é a que diz respeito aos povos negros. Isso não quer dizer colocar o negro na forma de vítima. Não é. É você mostrar que, se nós pensarmos no espelho do nosso tempo na nossa mais próxima atualidade, ainda somos invisíveis pro Brasil. Mas como que essas questões todas são trazidas, seja no âmbito da dança, seja no teatro ou na performance? Como é que vocês lidam com essa questão toda? E eu vou dizer isso pelo seguinte, Soraya, você usou um termo que é um termo que eu tenho desconfiado dele há muito tempo, que é o “resgatar”. Antes, muito obrigada por me incluir. Eu gosto da ideia de pensar algumas figuras consideradas figuras emblemáticas, fico muito honrada, mas eu não gosto do resgate, eu me sinto morta [risos].
Soraya: Não! Mas é muito legal essa troca. A gente nem para para pensar, realmente, para chamar atenção para esse vocabulário, para esse vocábulo, o do resgate, que pode levar para uma outra coisa. Sim! É importante ficar antenado nessas questões.
Leda: Você falou algo que eu acho importantíssimo, que é a gente também dar visibilidade não só àquilo que nos perturba tão profundamente; e eu gosto muito de chamar atenção que o que perturba não está no passado, ele está no presente. O mundo está no presente. E também aquilo que sempre nos alimentou. As nossas conquistas, as nossas realizações – e nós somos muito fortes nisso, porque, se não, nós não estaríamos aqui. Nós somos muito fortes nisso. E eu acho que são essas questões que devem ser trazidas à reflexão, e não – como você disse muito bem – e não do lugar da vitimização. Porque o desenho de nós mesmos como vítimas é você não sair de um lugar onde te colocaram, que é o lugar da eterna submissão, que é o lugar da não criação, que é o lugar da aceitação absoluta, que é o lugar da paralisia. E nós sabemos que a nossa história não foi assim. Ela não tem sido assim. Ela nunca foi o lugar da paralisia. Não quer dizer que não tenha havido, que não haja dor e sofrimento. Mas, se tivesse havido a paralisia, nós não estaríamos aqui. Nós sequer estaríamos aqui.
Rui: Exatamente. Eu concordo com ampliar essa imagem, isso que é um ardil de imagem que, em determinadas situações, reforça quando não é revisto. Recentemente, fui fazer uma turnê no Rio Grande do Sul em três cidades: Caxias, Porto Alegre e Pelotas. Três lugares complexos, onde eu vivi três experiências bem complexas. Mas uma delas foi de violência, e é a que eu conto aqui, sobre aquele espetáculo que você levou para [o Festival de] Diamantina, Leda, o Faça algum barulho, onde eu uso uma máscara. Nós criamos uma versão daquele trabalho para a rua. Nessa performance para a rua, eu pego esse palhaço, que é um guardião do bom espírito humano, das qualidades humanas, da esperança, essa coisa toda, e, antes de entrar em cena, eu recorro às pessoas para tirar delas algo que me interessa na construção do personagem. A prefeitura de Porto Alegre, que organizou o festival Porto Alegre em Cena, usou o Mercado Central no lugar da rua, pois choveu muito. O mercado tem um símbolo central, que é o símbolo de Bará [denominação do orixá Exu no Batuque, manifestações religiosas afro-brasileiras praticadas no Rio Grande do Sul], que é um guardião das pessoas do mercado. E aí eu fui pego desavisado, mas eu acho que não era eu o desavisado, alguém estava desavisado, e saio com o personagem com aquele cajado e vou conversando com as pessoas. Quando vou me aproximando do local onde é a cena, um segurança vem, me segura pelos dois braços e fala assim: “aqui, tira essa máscara agora”. Eu saí do personagem e falei baixinho para ele: “Mas isso é uma apresentação cultural”. Ele diz: “Eu não quero te ouvir. Cala a boca e tira essa máscara agora”, assim, me segurando. Eu me desvencilho dele, vêm mais três e me cercam. Eu abaixado, com o cajado, pensando no que fazer, e os quatro me cercando. Vou até a produção e falo: “Eles estão impedindo que isso aconteça”. E nisso a música do hip hop, que é o início da coisa acontecendo, o Rodrigo [Rodrigo Peres, conhecido como Rodrigo BBoy] lá rodando de cabeça para baixo, de cabeça para cima, e eu lá com a roupa, com o bastão. O que mais me chocou é que esse ponto todo de ignorância, esse ponto todo de violência vinha de quatro seguranças negros, imensos e que não tinham nenhum preparo para estarem fazendo aquilo e nem interesse para entender o que estava acontecendo ali. Isso para mim foi uma imagem posta que me faz sempre refletir muito sobre esse lugar que não é uma escolha dessas pessoas. Ou é uma escolha dessas pessoas, eu não sei. Muitas vezes eu acho que não é uma escolha, acho que é o lugar para o qual ele foi empurrado, posto, e aí passa a ser confundido com uma escolha dele. Digo na psiquê interna de cada um, pela maneira violenta como eles abordaram. E, independentemente da máscara, não tinha como eu não ser um personagem, uma figura normal ali, eu estava em um corpo extracotidiano, uma ação extracotidiana, acontecendo vários ciclos que eram extracotidianos. E mesmo assim… como é isso?
Leda: Como as pessoas reagiram?
Rui: As pessoas que estavam assistindo ficaram olhando.
Leda: Pensando que talvez fosse parte da performance?
Rui: Não entendendo, não entendendo. A produção veio e “solta, ele é o ator” e me soltaram. O chefe de segurança ficou, que não era negro. Aí eu me aproximei dele com o cajado e falava assim: “Ai, muito obrigado por ter permitido que eu ficasse. Eu vim das estrelas, lá não tem nada disso”. Eu fazia um símbolo, como se estivesse orando, “olha, eu estou com máscara, mas aquele que está passando, comprando aquele pedaço de carne, é muito perigoso, vai nele, pegue ele” [risos]. Aí eu incorporo. Vamos jogar então? Vamos jogar então. E assim foi. Mas eu falei “bah, que coisa. Que coisa”.
Alexandre: E, muitas vezes, nessa nossa formação teatral, a gente é educado para cumprir um certo papel, para continuar dentro de um lugar meio cerceado, com uma certa viseira. Então aí, quando você dá uma expandida numa fronteira, eles vêm aqui e te fecham uma outra, fazem de tudo para te deixar ali educadinho.
Leda: O sistema funciona dessa maneira. Essa coisa que o Rui está chamando atenção, uma grande parte da violência que nós sofremos, em particular o homem negro em qualquer idade, ela vem do policial negro. E isso nos estarrece, mas não o estarrece. Como que a sociedade em geral e, quando eu falo sociedade em geral, eu quero dizer nós todos, brancos, negros, azuis, amarelos, vermelhos… todo mundo. Como é que nós que trabalhamos com arte, seja no teatro ou na performance, na dança, na pintura, qualquer que seja, na literatura, em outro lugar… como transformar essa experiência de violência do cotidiano? Num cotidiano que passa assim pelo estético, qualquer que seja a base do estético? Para que a arte também seja um lugar de reflexão. Um lugar de reflexão. Eu estava lendo sobre a experiência do rolezinho, fiquei pensando como que as pessoas são afetadas de várias maneiras. Como criar essa possibilidade de as pessoas serem afetadas? Porque a gente fala dessa violência e a gente sabe do grande genocídio que está acontecendo no nosso país, que os nossos negros até a idade de 27 anos são 80 e tantos, 90% das mortes por assassinatos no Brasil de jovens, você pega aí e tem um índice alarmante que é de execuções. Ora, o que às vezes eu fico pensando é como levar toda essa nossa experiência para um dos lugares que já foi um dos mais privilegiados no Brasil, o teatro. A dança vai ocupar esse lugar, o cinema vai ocupar esse lugar, a performance fora de um certo modelo de teatro às vezes vai ocupar esse lugar, mas o teatro, em geral, ele abdica no Brasil desse lugar. É impressionante. Com raríssimas exceções. E falo de um olhar político, não simplesmente político-partidário. Por exemplo, esse espetáculo que o Rui está falando. Eu vi ali uma primeira versão, depois a segunda em Diamantina. Até falei para você, mas, puxa, como mudou, como cresceu.
Rui: Era a temporada de estreia, depois a sequência.
Leda: O que me cativou muito é a busca da linguagem. O Rui é muito inquieto e eu posso falar isso perto de você, longe de você. Mesmo quando parece que você se repete, você mostra a sua insaciável busca de linguagens. Esse espetáculo é fascinante para mim. Quantas linguagens estão ali atravessadas? E eu fico imaginando, sabe, que esse talvez seja um grande desafio, para o artista negro, performer, dançarino ou pensador, para as artes, falar hoje no plural. Como afetar aqueles que estão aí, que nos rodeiam. Como afetar? E como afetar eu acho que em todos os sentidos possíveis, inclusive no sentido do afeto. No sentido do afeto.
Alexandre: Eu fui assistir a um espetáculo… não vou falar o nome, não, mas ele é muito bom, um espetáculo ótimo, um monólogo com um ator maravilhoso, um cenário, figurino, trilha, lindo, lindo, lindo. Eu saí de lá “nossa, que bom o espetáculo, que legal, está de parabéns”. Aí cheguei no ponto de ônibus para ir para casa, aí estavam descendo dois meninos de boné, dois negros, e encontraram com um casal amigo que estava sentado, brancos. E eles ficaram em pé conversando com esse casal. Passou uma viatura, parou e perguntou o que os negros estavam fazendo ali. Os meninos nem responderam, porque já sabem que não podem responder. Então o casal sentado falou “não, são dois amigos nossos, eles estão aqui conversando com a gente”. O policial “é mesmo?”. “É, pode ficar tranquilo, a gente conhece, eles são amigos”. Aí a viatura foi embora. Eu falei “o espetáculo que eu assisti é uma bosta”. Está tudo aqui, apresentado na vida. O que a gente precisa pensar esteticamente sobre isso, como ficcionar, como poetizar isso, mas…
Leda: Não sei nem se é poetizar, mas como transformar a experiência do real numa experiência capaz de esteticamente também afetar. Porque, quem sabe, se nós conseguirmos afetar esse sujeito esteticamente, nós estaremos também afetando o seu cotidiano, a sua rotina?
Meibe: Ouvindo vocês falando isso, óbvio, eu, Meibe, negra, mulher, já vivi várias situações assim. Uma que está latente foi eu entrar em um centro cultural e o segurança negro me perguntar “pois não?”, sendo que, na sequência, um grupo de mulheres e homens, todos brancos, entraram normalmente. Eu saí de lá com esse questionamento e pensei “gente, eu tenho que transformar isso numa cena”.
Rui: Em Urucubaca – Na Roda do Mundo, O Ric [poeta e músico Ricardo Aleixo] escreveu uma música que era assim “Urucubaca quando é tempo dela, ela vem de uma vez. Não olha o sexo, a classe, a idade ou a raça de um freguês. Dá no pé rapado, arrasa com o burguês. Urucubaca, urucubaca, urucubaca. [risos gerais]
Leda: A gente podia fazer uma série de esquetes, né? Eu estou falando sério. Vocês se lembram daquela montagem d’O Bando que tem uma fala assim “a patroa está?”.
(Todos dizem Cabaret da Raça)
Leda: A gente podia fazer um Cabaret da Raça 2 [risos gerais].Mas fazer alguns esquetes, né? E eu acho muito interessante da maneira que você fazia, que você representava e contava já fazendo. É isso que às vezes eu coloco, você pode lidar com uma situação que seja a mais terrível, mas como lidar com ela para afetar o sujeito? Cada um de nós, ao ouvir essas histórias, já as reconhece. Elas são uma série de repetições, não é? O que muda, gente?
Rui: Essa é uma grande pergunta.
Leda: O que muda é o modo como nós repetimos essa história. No meio disso tudo que nós estamos vivendo, sejamos nós mulheres, nós mulheres negras, que é diferente de nós mulheres. Sejamos nós, sociedade. Sejamos nós, negros. Sejamos nós, imigrantes. Sejamos quem somos nós. E todos nós estamos passando por mil e um tipos de violência. Só que no caso que nós estamos aqui centrados, que é o caso da população negra, é um tipo de violência que se repete há quinhentos anos aqui nas Américas, aqui no Brasil, aqui na nossa sociedade. Gente, não vamos nos iludir, eu tenho falado muito isso. O pessoal fala assim “nossa, como que a violência aumentou”. Como que as pessoas hoje têm mais coragem de explicitar, de desvelar seu racismo dizendo “não gosto de preto mesmo não, eu sou racista”. Está havendo aquilo que a gente estava comentando com um colega, as máscaras do brasileiro gentil caíram.
Rui: Ela é de uma intolerância…
Leda: Eu não quero ser tolerada. Nunca. Eu quero ser respeitada, não tolerada. Aí eu prefiro ser resgatada. [risos gerais]
Soraya: Dá para fazer uma esquete do resgate, gente! [risos gerais]
Leda: Dá! Gente, mas isso é para dizer uma coisa. Tem algo naquilo que nos constitui que eu acho que é muito belo. A humanidade tem coisas muito bonitas. Eu não sou exatamente uma pessoa que crê muito nas humanidades. Quando a gente olha para a história da humanidade, toda violência é cultural. Nenhum de nós nasce violento. Isso é cultura. Mas tem algo nas culturas africanas que é uma coisa que eu acho tão maravilhosa, que vai totalmente contra aquele poema idiota que, se eu não me engano, é do Olavo Bilac, do encontro de três raças tristes [poema “Música Brasileira”]. Não. Os povos africanos não são povos tristes. Não são povos tristes. Uma das coisas que eu gosto de ver é a performance negra… E quando eu falo performance negra talvez seja um jeito mesmo do que a gente começa a aprender em casa; ela é por excelência alegre, mesmo quando está lidando com a coisa mais triste. Uma das coisas que eu acho que as culturas africanas têm muito, e que é muito bonito, é que elas não são culturas tomadas pela melancolia. Porque tem uma coisa que a gente observa nas matrizes europeias, em particular contemporâneas, mas não só nas contemporâneas. As artes atuais são de uma tristeza impressionante, gente. Impressionante. As produções em geral, e a gente não precisa falar só das artes, não, das produções em geral, aquilo que é o cotidiano que o público em geral tem mais acesso. Parece que a civilização ocidental está num buraco tão grande, tão fundo, no qual não consegue ali nem se mexer. É de uma melancolia, é de uma tristeza, é de um desarranjo, é de uma completa entrega do sujeito, tão grande. E, no fim, eu fico pensando como, quando nós nos voltamos para algumas expressões das artes africanas e afro-brasileiras, tem alguma coisa que é uma recusa da melancolia, que é uma recusa da depressão. De novo, eu não estou dizendo que é uma recusa da dor, da consciência, não é nada disso. Tem alguma coisa que eu acho que a gente recebe, que vem conosco. Eu observava aqui o tempo todo como que ele estava contando o caso, como você contou, como você contou. Como é que o corpo se recusa a acompanhar, muitas vezes, o lugar que é o lugar do poço, que é o lugar da dor. É como que é contado, vamos dizer assim, que é esse lugar. O como contar, que aí nós estamos na ordem da performance mesmo, o como contar, ele te tira desse lugar sem diminuir a intensidade daquilo que conta. Quando eu falo que a gente precisa ir às nossas matrizes performáticas, muitas vezes o pessoal lê isso só assim “nós precisamos ir lá para poder aprender os ritmos do candomblé, os ritmos do congado”. Não é disso que eu estou falando. Estou falando, talvez, mais fundo. É como a gente vê que tem algumas estruturas que se traduzem, inclusive, em estruturas performáticas. É disso que eu estou falando.
Alexandre: Lembrei lá no início, quando falávamos de como nos afetar. Depois dessas experiências no festival [Fitub – Festival Internacional de Teatro de Blumenau]e de ficar vendo os espetáculos pela cidade, eu vi que falta, sim, uma presença negra mais volumosa. E aí, esse projeto [Rolezinho – Nome Provisório] é uma espécie de Cavalo de Troia. Não sei. É, pode ser. Eu mandei uma proposta para lá [Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto], junto com outras pessoas que fazem o curso do Cefar, no Palácio das Artes, e aí a ideia era construir um rolezinho para ter muitos negros em cena, partindo da questão que muitas vezes visibilidade é existência. E se a gente não se coloca visível, a gente não existe. Eles já fazem de tudo para gente ser invisível. Então se é para ser invisível, eu prefiro ser por opção, não por obrigação. Nem por omissão. Tínhamos, então, esse processo para construir uma cena. Como construir uma cena de teatro com essas ideias? Eu achei que seria interessante voltar naqueles rolezinhos de 2012, 2013, quando grupos de jovens ocupavam shoppings, parques… Penso que muita gente viu aquilo de forma superficial. Existiram leituras mais filosóficas. Aquele enfrentamento era contra a invisibilidade. Existem outras coisas que considerei rolês e outros trabalhos que acontecem hoje. O Presença Negra, por exemplo, que é um projeto de artistas visuais de São Paulo, que busca refletir acerca do corpo negro e suas potencialidades expressivas nos espaços de compartilhamento cultural, por uma presença também mais efetiva de negros dentro das galerias, não que signifique que galeria é o único lugar para ter arte visual…
Leda: Mas é um lugar também a ser ocupado.
Alexandre: É um lugar também. Então eles fazem convites pela internet, mais negros frequentam estes lugares, convivem, conversam e fruem as obras. Isso, acredito, acaba sugerindo que as galerias abram mais espaço para negros artistas visuais. Tem o Encrespa Geral, que pode ser visto como um movimento de militância capilar, digamos assim. Comecei a considerar tudo como rolezinho… Eu faço parte de uma geração do bairro Goiânia, trevo de Sabará, dos primeiros nascidos em Belo Horizonte. Então eu comecei a considerar que meu pai e minha mãe fizeram uma espécie de rolê aqui para Belo Horizonte, para poder sobreviver, existir, para conseguir ajudar a família e criar outra. Tive a oportunidade de, alguns meses atrás, conhecer o Toumani, filho do Sotigui Koyaté, um importante ator malinês que trabalhou com Peter Brook. Toumani me apresentou malineses, congoleses, senegaleses que estão vindo para São Paulo para trabalhar e enviar dinheiro para suas famílias. Eu comecei a achar que isso também é um rolê… Eles me contaram uma história muito bonita e triste da Ilha de Gorée. Ela era um entreposto onde alguns escravos eram depositados, depois vinham os navios negreiros e os transportavam para outros países. Comecei a pensar nisso como inspiração, uma ferramenta para construção da cena. Enfim, partindo para os ensaios pensei: “estes encontros têm que ser rolezinhos pela cidade”. Fiz uma convocatória no Facebook, as pessoas se inscreveram e criamos um grupo de conversa, que hoje eu acho que faria diferente… Era um grupo privado, mas poderia ser aberto. A gente compartilhou materiais de áudio, vídeo, teses e muitas outras coisas sobre cultura negra, sobre a presença negra na sociedade em vários sentidos, também sobre as mazelas que a gente vive, coditianamente. Esses materiais serviam base para os temas dos rolês. A gente chegava nos lugares, conversava sobre esses materiais e partíamos para a construção de uma paisagem no espaço, um composição. Foi interessante esse processo, porque os integrantes começaram a perceber que só de estarmos em grande número isso já causava…
Leda: Um desconforto.
Alexandre: Um desconforto. Um desconforto muito grande. E esse desconforto eu acho que ele vai acabar causando no festival. Já perguntam: “Como é que é? Quantas pessoas são? A gente precisa organizar quem vem. O que você vai fazer, Alexandre, pelo amor de Deus”. Calma, vai dar tudo certo. Eu tô aqui, vamos juntos. E aí a gente fez esses 10 rolês que passaram por vários lugares. A gente discutiu educação, discutiu feminismo negro, empoderamento… muita, muita coisa. E como transformar isso numa cena?
/// Parte II
Alexandre: Eu fico pensando nessas coisas. A gente está lá com o nosso ritmo, nosso corpo, nossa forma de pensar, que é uma particularidade. Porque se fala muito ‘o que é o teatro negro’… O que é uma cena negra, o que é uma peça negra?
Gil: Essa é uma questão interessante da gente pensar, porque quando a gente fez o FAN [Festival de Arte Negra – FAN], o primeiro questionamento que a gente teve foi “por que Festival de Arte Negra? O que é arte negra?”. E o Ric [Ricardo Aleixo] na época falou assim “isso é uma questão política. Se a gente faz festival de arte brasileira, vai vir todo mundo, menos preto. Então está no momento de a gente fechar, de a gente criar esse espaço para essa produção, dar visibilidade a essa produção”. A gente também conversava que esse nome “Negro” não foi a gente que deu, esse nome deram para gente. Porque começa lá com os museus etnográficos na África, na França o de Arte Noir, Museu de Arte Negra. Mas quem produzia essa arte não chamava de arte negra, fazia arte. Eu faço arte. Agora isso é uma questão que está muito centrada na coisa política, em como é que a gente se coloca. E aí, pensando nisso, na questão da arte no teatro negro, esses dias eu a retomei, a partir de uma entrevista do Salloma Salomão. Eu vi uma entrevista dele em que faz um questionamento do TEN [Teatro Experimental do Negro – TEN], sobre essa relação que, a partir do momento que a gente dá visibilidade a uma pessoa, outras desaparecem. E ele fala que, à medida que Abdias [poeta, escritor, ator e dramaturgo Abdias do Nascimento]começou a virar a referência do teatro negro, as outras coisas que eram importantes no teatro negro foram sumindo. Uma das coisas que coloca é que o teatro negro começa com a criação da Associação das Empregadas Domésticas. E aí, uma figura que ele diz que foi muito importante nessa época foi o Guerreiro Ramos, e que o Guerreiro vai começar um trabalho de psicodrama com os atores. Por quê? O que era? Você pegar uma empregada doméstica que, muitas vezes, era analfabeta, nunca tinha subido num palco. Como é que você vai fazer com que essa figura assuma um personagem, comece a falar? Qual é o trabalho que vai ser feito com essa pessoa? E o Guerreiro começa a fazer esse trabalho que ele vai chamar de psicodrama, onde vai começar todo um processo de formação que vai fazer com que essa figura vá para o palco e comece a desempenhar essa função de atriz.
Aline: Ele desenvolveu um procedimento, né, dentro do teatro?
Gil: Um procedimento. E isso a gente não ouve muito falar disso. Porque o Guerreiro Ramos não é reconhecido no Brasil, ele vai ser caçado pós-Golpe de 64, era deputado do PDT, e ele vai pros Estados Unidos e lá ele vai trabalhar só como sociólogo. Então eu acho que uma das questões, quando a gente vai trabalhar com o teatro negro, é o ator. Como é que você prepara esse ator para cena? Que formação é necessária? E aí, tirando isso do TEN para hoje, a gente tem uma outra realidade, hoje a gente já tem uma negrada que está circulando, que está produzindo arte… Mas como é que é essa formação desse ator? Por onde que passa a construção desse teatro? Por exemplo, eu dou aula no curso de teatro do Palácio das Artes tem 28 anos, estou desde o início. Esse ano foi o primeiro ano em que sobem na Mostra de Teatro quatro atores negros para fazer uma cena. Então acho que aí começa a se desenhar em Belo Horizonte, agora. E eu acho que isso vem também com o Tizumba, com aquelas montagens que vão ser feitas com Galanga, o Dom Quixote, dele como o Chico Rei. Então começa a se desenhar uma cena negra em Belo Horizonte, que teve também, no FAN, o FAN da Cena. Então entra Grace [atriz, dramaturga e diretora Grace Passô] para fazer dramaturgia.
Aline: Que foi o primeiro trabalho com esse convite direto, eu acredito: ‘Você é uma dramaturga negra de Belo Horizonte, gostaríamos que junto a outros dois criados de fora da cidade, montassem uma peça de teatro negro, dentro do Festival.’ São muito importantes mesmo esses chamamentos.
Gil: Sim. Então é como é que vai se desenhar essa cena ali e para onde ela caminha, que eu acho que é uma reflexão que a gente tem. Eu achei super legal esse chamamento, porque é um momento de essa turma que está produzindo se encontrar e começar a pensar o que é esse lugar. Porque, voltando à coisa da formação, a gente tem uma formação artística que é dita universal, que atenderia todas as necessidades humanas do ofício. Mas quando você chega numa escola, no texto que vai ser trabalhado não tem personagens negros nessa cena. Nós vamos ver que há uma formação em que não há separação entre as artes. O cara que está no congado, ele toca, ele canta, ele dança e tem uma teatralidade.
Aline: Ele tem um figurino. Ele pensa tempo, espaço…
Gil: Sim! Então você tem uma performance ali, e que essa formação que tem nas escolas não dá conta desse lugar. Porque estão tão centradas nesse modelo escolar. Você tem aula de interpretação, você tem aula de dança, você tem aula de teatro. Mas falta essa formação que te coloca, vamos dizer assim, nas zonas de fronteira; porque você não é bailarino, você não é ator, você não é músico, mas todas essas linguagens passeiam por você. Então acho que eu chamaria isso de teatro negro. Para mim, é por aí é que a gente começaria a pensar numa questão de uma formação de um ator. E isso não pode ser no singular, porque, na realidade, a gente não tem um teatro negro, seriam teatros. E também trabalhar com o próprio conceito de teatro; ele é limitador da nossa ação, da nossa criação.
Aline: Separar o que é teatro, o que é dança, o que é música.
Gil: É. Então quando a gente diz “vou falar do teatro negro”, a gente corre num estreitamento de uma possibilidade de linguagem cênica, de uma linguagem artística, aliás. E a maneira de lidar com esses elementos que você fala, do figurino, do som, do corpo, da palavra. Como a gente trata a palavra.
Alexandre: A dramaturgia mesmo, né?
Gil: É.
Aline: Porque eu também fico num lugar que é assim, há uma necessidade de a gente falar mesmo sobre essa linguagem, sobre o que a gente tem produzido. Ao mesmo tempo, eu fico preocupada com esses lugares quando a gente nomeia, e disso também ser redutor. Por exemplo, a gente falar o que é teatro negro. Quem é capaz de falar exatamente o que é teatro negro? Então se você é um ator negro e está fazendo teatro, você está fazendo teatro negro? Acredito na importância de Editais exclusivos para Artistas e Produtores Negros apresentarem suas propostas, porque, avaliando os resultados dos editais de artes cênicas em geral, é possível ver o quanto essa representatividade é desproporcional à produção que é realizada. Mas acredito que uma intervenção importante é garantir que artistas e pensadores teatrais, negros, façam parte dessas comissões e curadorias, para que os projetos sejam compreendidos e não dependam de uma avaliação superficial e estereotipada. Se o Brasil tem mais de 50% da população negra, então a gente está falando de povo brasileiro quando a gente fala sobre povo negro também. Então eu acho que colocar as coisas nas gavetinhas me preocupa. Igual você falou, o TEN é a referência que a gente tem até hoje de teatro negro? E é, qualquer palestra que você vai. Aí eu fico pensando: “gente, olha o tanto de produção que tem sido realizada no Brasil desde então”. Isso não ser evidente será que é porque estes artistas não estão se intitulando teatro negro? Ao mesmo tempo, me preocupa disso virar um lugar de política muito específica. Então eu acho que também vira um lugar, não sei, que é quase uma política social, e não tanto uma política cultural, artística. Fico achando que um ator negro em cena está fazendo um teatro negro desde que ele tenha consciência disso e de todas as condições que ele tem, de instrumentos mesmo, enquanto artista. Que ele não tenha que se podar para poder chegar perto de uma estética que seria considerada uma estética padrão, assim como o ensino do teatro como você falou.
Gil: Pois é, eu acho que tem duas coisas aí que eu vejo. Uma coisa é quando eu assisti ao espetáculo do Peter Brook, que veio no FIT. Era um espetáculo que era um rei, tinha a mãe que era a rainha, tinha um outro personagem que eu não me lembro. E o rei era negro, era um ator negro. A mãe dele era uma japonesa, uma atriz japonesa, e tinha outro personagem lá que era branco. Em momento algum você fala assim: “uai, como é que pode o cara ser negro e a mãe ser japonesa?”. Por exemplo, se você falar vamos montar Rei Lear e ele vai ser um negro. O physique du rôle do Rei Lear é branco, nórdico. E se o Rei Lear for negro e a rainha for branca, aí é impossível. Isso vai criar uma confusão na cabeça das pessoas, porque a concepção nossa de teatro é muito arraigada na manutenção dos papéis sociais. Ela não é centrada no que o teatro coloca, que é o imaginário. E o ator no teatro, tanto faz ele ser branco, ser preto, ser baixo, ser alto, ser gordo. O negócio é o seu desempenho.
Aline: Se você não puder fazer isso no teatro, não vai poder fazer isso em lugar nenhum. É justamente lá que isso pode ser construído.
Gil: Para mim tem esse lugar, mas a gente não concebe isso no Brasil. Porque lá fora você tem as companhias multirraciais, isso faz parte do cotidiano. O teatro avançou na linguagem, e eu acho que aqui, mais em Belo Horizonte, isso está muito arraigado. Você não vai ver uma peça de teatro em Belo Horizonte com um ator negro fazendo um personagem central…
Leda: Não é Belo Horizonte, é no Brasil.
Gil: É, no Brasil.
Leda: Essa discussão é muito boa, porque o que está sendo discutido é a História. Eu vou nos lugares do mundo, muitas vezes eu vejo os negros fazendo todo tipo de papel, independentemente do fenótipo do personagem. Eu quero que certo personagem se ajuste ao ator, e não o ator se ajuste ao personagem. Mas isso é fruto também de muito esforço, muita luta. Por isso que eu falo: a gente não pode perder a perspectiva histórica. Nos Estados Unidos, por exemplo, você pode ver atores, seja no teatro, seja na indústria cinematográfica, fazendo papéis onde é o personagem que se ajusta aos atores, principalmente se forem atores famosos, mas nem sempre foi assim. E não é assim naturalmente. E não é uma coisa tranquila. Há ainda muita discriminação, seja na Europa, seja nos Estados Unidos, etc. Ou seja, o teatro não está alheio ao mesmo tipo de relações que se estabelecem na ordem do cotidiano. Ele não está. Não vamos pensar que a arte é um lugar ideal. Não é. Agora, ao lado das imagens da memória da escravidão ou do racismo no mundo inteiro, eu gostaria muito de ver também imagens de realizações. No caso do povo negro brasileiro, ou de uma parcela do povo brasileiro que hoje se assume negra, nós temos uma história. Eu não quero negá-la, mas, em geral, o que se coloca são só referências a imagens perturbadoras. Vou pegar um exemplo, que é da Venus Hottentot. Ela está nas novelas, está no cinema, nos comerciais. Aí a minha discussão é porque nos incomoda a Venus Hottentot no teatro se ela está todo dia sendo explorada na televisão? Tenho que levantar uma discussão para que não exista mais nenhuma situação em que façam com o negro, qualquer negro, o que fizeram com a Venus Hottentot. Isto é uma coisa. Uma outra perspectiva histórica: as coisas não acontecem naturalmente. Quando eu escrevia A cena em sombras, nós estávamos recém-saídos da ditadura, mas as produções já começavam a fervilhar. Por exemplo, quando nós vamos aos anos 80, aos anos 90, eram raras as referências, seja do negro no teatro brasileiro ou do teatro negro. Nem de Abdias do Nascimento se falava. Nem do TEN se ouvia falar. Nessa mesma perspectiva, nos anos 20, nós tínhamos um grande bailarino no Brasil [o João Cândido que, mais tarde, os franceses viriam a apelida-lo de Monsieur De Chocolat]. Não tinha papéis para ele aqui, a não ser que fossem papeis estereotípicos. Nós tínhamos negros no palco, sim, atrizes que lotavam teatros no Rio de Janeiro, por exemplo. Famosas, mas só em papéis caricatos em comédias. De Chocolat vai fazer uma excursão na França e lá ele se depara com os negros em grandes companhias de danças. E ele fala “poxa, no Brasil a gente não tem isso. Você não vê o negro em grandes companhias”. Aí ele funda a Companhia Negra de Revistas, que estreia em 1926 com uma peça chamada Tudo preto.
Aline: Quem é ele?
Leda: O De Chocolat. Um dos maiores bailarinos que nós já tivemos. Ele antecede em 20 anos o TEN. Ela [Aline]disse assim “ah, ninguém vai saber responder o que é teatro negro”. Essa discussão que nós estamos tendo aqui estava no auge, nos anos 20, lá nos Estados Unidos, com Du Bois, dentre outros. O Du Bois fala: “eu acho que um teatro negro tem que ser feito por nós, para nós, perto de nós, a nossa história…” Que é um certo tipo de perspectiva que vigora nos Estados Unidos, no African American Theatre. Posteriormente, outra pergunta é feita, que é: “bom, mas será que se limitaria a isso?”. Não que isso seja pouco. Eu ter atores negros, eu ter temas, assuntos da história negra sendo levados para o teatro, eu ter teatros perto de nós. É tudo? Tem alguma coisa que nós temos a oferecer que seja estética? Porque todos os padrões e modelos estéticos que são valorizados no ocidente são da tradição europeia hegemônica. Quando a África aparece, como continente, ela aparece apropriada por grandes artistas…
Aline: A Ópera do Malandro, Orfeu negro…
Leda: Sim! A própria ideia de teatro épico vai se buscar na África. Mas nós sabemos disso? Não! A ideia é que o que é estético é um certo padrão hegemônico do teatro ocidental europeu. E ponto. Nós convivemos com isso como se fosse natural. Eu canso de falar com os meus alunos, o teatro europeu não é sinônimo de universal, é uma das matrizes teatrais. E onde no teatrão brasileiro as matrizes performáticas africanas ou afro-brasileiras estão? Onde?
Um outro exemplo: pouco sabem que um dos maiores intérpretes de Shakespeare é um ator negro, que migrou dos Estados Unidos para a Inglaterra.
Gil: Sim, uma das questões para mim é a da inserção da formação do ator negro, do ator, para que ele possa trabalhar no teatro e lutar para alargar essa concepção eurocêntrica de que o personagem, o fenótipo, tem que corresponder à pessoa, ao ator. Mas você também tem que formar o ator para esse lugar e brigar. E outro campo que eu coloco é o campo da investigação da construção dessa linguagem, que passa por isso que você coloca que são as nossas experiências artísticas, seja no terreiro, seja no congado, seja na escola de samba, seja na capoeira, onde a teatralidade, a musicalidade, a corporalidade, ela se dá de forma – e isso é uma visão minha – sem limite de fronteira. Vamos dizer assim, um capoeirista, ele não é músico, ele não é ator, ele não é dançarino, mas isso tudo passa pelo corpo dele. Ele toca, ele canta, ele joga, ele tem uma teatralidade. Então como é que essa maneira dessa performance se constitui como uma estética de uma dramaturgia cênica? E é aí que a gente estava se questionando, se esse nome, na medida em que eu vou trabalhar só com a categoria teatro, se ele não reduz, não limita a nossa maneira de performar.
Leda: Não, nós é que somos reduzidos. Por quê? Nós temos vários caminhos. Buscar essa matriz é um dos caminhos. Há várias outras. Somos nós que estamos nos reduzindo, é como se nos envergonhássemos de nós mesmos. Esse drama de consciência um ator branco não tem. Somos nós que estamos nos reduzindo achando que se eu falo teatro negro, eu estou me reduzindo. Nós não estamos nos reduzindo desde que nós entendamos que, se eu uso esse significante e faço assim com ele [Leda faz um movimento de giro com a mão], ele deixa de ser sinônimo do canibal, da prostituta, do escravo.
Gil: Mas se a gente pensar, por exemplo, o próprio movimento da performance, ela vai produzir um lugar onde o teatro é um limitador desse campo performático.
Leda: Gil, vamos separar aqui. O pessoal anda reduzindo o termo performance. Uma coisa é a performing art, que vem em todas as veredas das artes visuais. Outra são os estudos da performance em que está o teatro, está a dança, estão os rituais, uma ampla variedade. Então os estudos da performance são muito mais amplos que a performing art inclusive. E nos dão muita liberdade, porque há atores que vão dizer “eu quero é ser chamado é de ator”. Outros vão querer ser chamados de performer. E muita gente nem sabe quais seriam as diferenças de eu falar “eu quero ser um ator no sentido tradicional da palavra ator”. Mas qual que é o problema? Isso reduz, ser ator no sentido tradicional? Não reduz. Isso é só uma opção.
Alexandre: Eu sou cria da escola que o Gil dá aula. Infelizmente, quando eu passei por lá ele estava de licença. É um recorte da sociedade, eles te colocam na forminha para você entrar nos lugares e sair. Eu tinha a possibilidade que ser o Otelo, Ismael do Anjo Negro ou qualquer outro personagem negro. Era pegar aquelas matrizes e modos de fazer para me formar. Mas minha história, ou o que construo dela, não é só o que aprendi ali. Fico pensando nos caminhos que tento traçar, pego todas essas coisas que me formaram, dou uma sacudida e tento elaborar o artista que quero ser…
Aline: Então, eu fico pensando que não é à toa que a gente se organiza em grupos. Os grupos de teatro são também um lugar de formação. Eu acho, mesmo, isso que a Leda falou muito; se a gente for questionar, a gente tem que questionar a televisão, o cinema, todas as linguagens que estão ainda colocando o negro nesse lugar estereotipado.
Leda: Não “se”, nós temos que.
Aline: Sim, mas aí eu vou recortar. Fico pensando nisso muito lá dentro do meu grupo, dentro do Espanca!. A gente acredita mesmo que o teatro é o lugar onde a gente pode, sim, colocar a nossa visão de mundo. A televisão é um lugar que eu não questiono tanto mesmo, porque, para mim, é uma linguagem que é um outro lugar, mesmo de dominação de vários fatores que fazem com que ela seja o que ela é. E eu ainda acredito muito no teatro como um lugar possível de construção de novos mundos. Principalmente um teatro que está sendo feito nesse tempo agora. Tendo como referência o que aconteceu lá em São Paulo com a peça da Cia. Os Fofos Encenam, que gerou um debate muito grande sobre representação, temos afirmado mais e artisticamente que o negro não tem que ser representado, o negro existe. Aqui em Belo Horizonte, eu vejo que estamos vivendo um momento bem interessante também, muitos artistas negros estão criando seus trabalhos e com domínio de autoria. Então eu acho que não está resolvido, sem dúvida, imagina, sem dúvida, Leda. Mas eu acho que a gente tem que dar visibilidade para esse momento. No Espanca!, tem uma peça que é Amores Surdos, uma mãe negra e seus filhos brancos. Essa era a formação do grupo nesse momento: uma atriz negra e quatro atores brancos. Hoje, o mais recente trabalho do grupo, o REAL, são nove atores: quatro negros e cinco brancos. Sinto uma força, tanto dessa geração que está se formando agora no Cefar, na UFMG… Eu me lembro dos debates que a gente vinha fazendo, inclusive no último FAN, lá no Polifônicas, onde todo mundo falava da falta de estudar, de ter referências do teatro negro. Agora eu já vejo os alunos chamando as pessoas para dentro da escola para poder trocar, discutir, ler junto, criar junto. Então isso não é à toa. Essa energia também de você querer transformar esse lugar, que é de formação, é muito importante.
Leda: Falta investigação, falta disseminação do conhecimento. Quantas companhias e grupos de teatro negro que se querem chamar teatro negro existem aqui no Brasil ou lá fora? Muitos. Não foi Belo Horizonte que inventou isso. Tem acontecido muito. Agora, por que nós não divulgamos isso?
Gil: Agora aí tem uma coisa que eu acho interessante, que eu acho que é recuperar o tempo. Porque quando você fala que existem outras experiências, aí é uma coisa que eu conheço pouco. Falei outro dia: “Leda, precisamos de material para gente entender melhor como foi esse processo”. Porque você pega o TEN, você tem um Santa Rosa, que é um puta cenógrafo trabalhando com eles. Guerreiro Ramos, que era um cara que vai fazer um trabalho de pesquisa, da preparação do ator para cena. Você tem até o Nelson Rodrigues, que vai escrever O anjo negro.
Leda: Você tem Solano Trindade fazendo pesquisa…
Gil: Você vai ver que agrega, em determinado momento, pessoas de uma competência enorme para poder produzir. É esse investimento de pessoas juntas que eu acho que precisa ganhar força. Como nós vamos garantir condições para que haja essa convivência artística? E aí coloco a Leda, da pesquisa de qualidade, para gente avançar. É muito legal estar tendo um movimento, é maravilhoso, mas eu fico sempre pensando quais são as condições reais disso se tornar uma referência, um espaço mais cotidiano do debate.
Leda: E nós deixamos ficar no limbo.
Alexandre: Eu acho que tem força, sim, tem umas forças grandes por aí. Como a gente está falando de teatro, que é um recorte da sociedade, acho que é importante pensar também que muita coisa é feita de forma que a gente permaneça na periferia do tempo, da história. Penso que carece da gente documentar nossas ações de forma que tenha fácil acesso, por exemplo. Tenho a sensação de que muitas vezes que a gente precisa se unir, se une em grandes nomes para ocupar uns espaços. E quando esses espaços são ocupados, há uma amornada e a engrenagem volta a girar como antes. A coisa é meio sintomática, porque a produção existe, força existe, mas, muitas vezes, a explosão é interrompida. E como fazer com que isso não aconteça?
Leda: Não basta você colocar o ator no palco. Não basta. Isso fica visível, fica gritante quando você vai e vê o despreparo. Então quando eu falo que a gente tem que investir é em tudo. Você tem que investir em financiamento, você tem que investir em formação. Aline citou o Bando de Teatro Olodum. Sou muito amiga do Marcio Meireles, várias vezes ele me chamava para assistir aos ensaios e eu cobrava dele preparação de ator. Porque eu via que precisava de preparação. Não basta você pegar alguém talentoso e colocar em cena. Você precisa preparar o talentoso porque o talento sozinho não faz nada, gente. Nada, nada, nada.
Gil: Isso eu acho que a gente tem que começar a tentar fazer, a exercer a crítica. Porque nós não conseguimos fazer uma crítica do que a gente faz. Você faz tanto esforço para estar ali naquele dia, para poder colocar aquilo ali, que qualquer crítica fica assim “você está é destruindo, você não está conseguindo ver o meu esforço”. Mas é isso. Nós precisamos sair desse lugar do esforço.
Meibe: Eu venho esbarrando nisso há muito tempo. Essa minha luta vem desde a época do Negraria. Você ia criticar, no sentido bom, “olha, esse trabalho não está legal, vamos fazer um trabalho de qualidade” e começava a dissolver. Fui trabalhar também com grupos, mas com a minha postura. Eu não estou aqui de pires na mão, eu sou uma pessoa, eu tenho capacidade e tenho pesquisado muito sobre o meu trabalho. O que acontece muitas vezes? Dizem “o trabalho é muito bom, mas não mexe muito, porque ela vai incomodar”. Aí eu comecei a desenvolver os meus trabalhos individualmente. Eu acho que eu sou do teatro, mas eu quero transitar por outras áreas com sapiência e fazer ouvir a minha voz.
Leda: E temos que ter coragem da crítica. Por quê? A crítica, ela não é positiva nem negativa. Ela tem que ser fundamentada. Mas não pode, porque se você levanta qualquer coisa, você se torna inimigo ou inimiga pública número 1. E isso não é só no teatro. É no cinema, na literatura, em tudo. Todos nós queremos ser elogiados, mas eu não quero que aplaudam o rolezinho porque tem um bando de negros lá. Eu quero que aplaudam pelos méritos, porque, se não, nós caímos de novo no paternalismo ou no maternalismo.
Gil: Nós temos que garantir o fazer. Acho legal você estar colocando isso, Leda, porque aí tem uma coisa também que acho que falta quando eu penso na produção da arte negra. Vamos pegar o samba, por exemplo. A proximidade do jovem com os mais velhos no samba cria um processo de validação que, para você para chegar na roda de bamba, você tem que percorrer um caminho em que os velhos vão falar assim: “não, agora você pode”. Ou: “agora você pode pegar no cavaquinho lá e tocar, pegar o microfone e cantar o samba”. No campo do nosso fazer artístico, a nossa distância dos mais velhos perdeu-se o lugar, e a gente começa a cair num que vale qualquer coisa. A gente não vai nem quer pegar o modelo europeu de validação, mas como é que a gente começa a estabelecer esses espaços de validação do que a gente faz? Qual que é esse território com o qual a gente dialoga? Quem que vai falar assim “isso está dentro da nossa linguagem, isso não é assim não”. No campo do teatro, como é que a gente valida? Na literatura?
Leda: Ou será que é quem enuncia mais alto a sua vitimização que o mercado quer? Nós não somos iguais e nós temos que aceitar a nossa diversidade. Nós nunca vamos ser homogêneos. Nós somos tão diversos nos nossos modos de organização, de pensamento, como qualquer outro. Isso também nós temos que aceitar. Acho também que nós temos dificuldades de construir redes, redes de sustentabilidade. Eu vou dar um exemplo que, para mim, é um dos exemplos mais maravilhosos da minha vida inteira. Eu estava fazendo doutorado na Califórnia e eu acompanhava tudo de teatro negro. De repente, vejo numa revista a peça Checkmates, em Nova York, que estava com ingressos vendidos para quase o final do ano, até sair a crítica do jornal The New York Times. Em Nova York é assim, antes e depois da crítica do New York Times. Tanto que, no dia que o crítico vai ao teatro, fica todo mundo em pânico.
Alexandre: Que cruel…
Leda: É, é uma coisa horrorosa. A peça era um casal jovem, feito pelo Denzel Washington e pela Marsha Jackson, e um casal mais velho, feito pelos veteranos Ruby Dee e Paul Winfield. Foi o crítico do New York Times e fez uma página desse tamanho acabando com a peça. A peça usava vários elementos da performance negra, então tudo para ele não encaixava nas elaborações de referência europeia. A peça, que estava vendida por seis meses, de repente todo mundo devolveu o ingresso, e ela ia fechar em duas semanas. Aí começou uma campanha numa das revistas negras: “comprem, não vamos deixar a peça fechar!”. A negraiada toda dos Estados Unidos comprou, iam para Nova York assistir à peça, não deixá-la fechar. E muitos brancos também. Muito bem, a peça manteve-se em cartaz por quase um ano. Nesta época, eu fui a Nova York continuar minha pesquisa, queria muito assisti-la, mas não tinha ingresso. Minha supervisora, Margaret Wilkerson, disse: “você vai chegar na bilheteria e dar seu nome, estará lá o ingresso para você”. Eu cheguei nesta casa e perguntei ao produtor como isso tinha sido possível. “Ela ligou para cá e disse que havia uma jovem brasileira fazendo pesquisa sobre teatro negro e que ela gostaria que ela assistisse à peça. Conheço Margaret Wilkerson só de nome, mas basta”. Veja, uma professora negra liga e fala “é uma estudante negra do Brasil, e eu quero que ela assista, porque é assim que nós sobrevivemos ao longo da história”. Isso não quer dizer uniformidade de pensamento, nada disso. Isso quer dizer que houve um movimento nacional de negros para que a peça não fechasse. Se fosse aqui, talvez nem soubéssemos que a peça existia. Nós ainda temos muitas dificuldades, muitas, de construir redes de sustentabilidade. Eu não preciso gostar de você, eu só quero que você tenha o direito de permanecer em cartaz. Desde que tenha qualidade. E não foi só o movimento para deixar a peça em cartaz, mas também de críticos que tinham conhecimento das matrizes performáticas que estavam sendo utilizadas, que puderam contrapor a crítica do New York Times com outra perspectiva, com conhecimento, com argumentos, não com chororô.
Meibe: Falta essa parceria no sentido de que “olha, não concordo, não bebo na mesma fonte que você, mas eu respeito”. Ou “olha, seu trabalho é bacana e tudo, mas tenta reformular isso daqui”, sem precisar furar o trabalho. Porque nem passa por aí.
Leda: Mas isso se demonstra por via histórica. Isso demonstra para nós, também, a força segregatória a partir da qual a sociedade brasileira foi criada. Porque no Brasil, o que o sistema fez? Nós não podíamos nos reunir. Colocaram juntos escravos de nações diferentes, línguas diferentes. Afinal, África é um continente. Então se alimentou a divisão entre nós desde que o primeiro navio chegou; aliás, antes de ele chegar. Isso mostra a força do sistema. Porque isso não é algo que está em nós. Por isso, é importante a gente ver como que, apesar de o sistema estimular, incrementar, fazer todo o possível para nos desunir e destituir, nós ainda encontramos forças de reunião, de resistência. Os candomblés mostram isso, as capoeiras mostram isso, os congados mostram isso. Que, apesar de tudo, nós ainda encontramos meios. Nós existimos.
Alexandre: A vontade que eu tenho, enquanto artista, é que as coisas que eu crie, que eu participe, nos faça pensar nos lugares que estamos inseridos e questione algumas ordens consideradas naturais. É ter um monte de gente negra no palco e, para além de aplaudir e se emocionar momentaneamente, o Rolezinho – nome provisório seja cada vez mais provisório. Que chegue um momento que a gente não precise mais fazer rolezinho. Mas, ao mesmo tempo, eu acho que a gente vive num sistemão que é muito mais possível se emocionar um garoto branco afogado numa travessia clandestina para Europa do que um monte de negro morrendo afogado todo dia. Indignação seletiva… E, enquanto isso rolar, a gente tem que passar de rolezinho para arrastão para geral compreender. Um arrastão que, “violentamente doce”, seja capaz de minimizar defesas com o que você quer dizer, mas que o público saia afetado. Acho que é isso.
Leda: Concordo em número, gênero e grau. Acho que o título tem que ser provisório até que a gente alcance algo que está muito distante e isso não seja necessário. Há vários modos de lutar, esse é um deles. Esse é um deles. Porque a gente almeja que seja provisório? Para que um dia nossos filhos, os filhos dos nossos filhos, possam responder ao serem perguntados: “Quem você é?”. “Médico”, não “médico negro”, não “médico cubano”.
Alexandre: Que a gente seja cubano, médico. Negro, médico.