Revista Marimbondo

Não mexam com as bonecas *

Criavam um estranho ruído na rígida disposição de mulheres em marcha[!]. Os véus convertidos em turbantes, peitos de fora, longas saias de palha, uma bandeira arco-íris somando-se à do Brasil, Chiquita Bacana como hino. Luiz Estrela [!] empunhava um cartaz onde se podia ler: Gangue das Bonecas. Passado pouco mais de um ano, ele seria encontrado morto e estrelas se multiplicariam por testas em atos que simbolizavam sua ausência.

* “Gangue das Bonecas – experiências de corpos marginais”, projeto coordenado pelo coletivo Paisagens Poéticas, reunia, entre 2011 e 2012, atores e atrizes do coletivo e pessoas em situação de rua, tanto em um grupo de estudos quanto em performances, atos e intervenções em espaços públicos.

[!] O ato descrito foi realizado na Marcha Mundial das Mulheres, realizada em março de 2012, e foi intitulado “A mulher é o negro do mundo”.
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Luiz Otávio da Silva, Luiz Estrela, foi encontrado morto em junho de 2013 no contexto da Copa das Confederações. O Espaço Comum Luiz Estrela, ocupação cultural e política – surgida em outubro do mesmo ano – o homenageia.

Já na parada [!], se confundiriam com a multidão e, por isso, trataram de garantir saltos altos de latões. Carregavam perucas, glitter, a mesma bandeira arco-íris, cartazes com os dizeres “moradia”, “amor”, “diversidade” e “homossexuais de rua”. Os cabelos de Monique estavam verde-limão. Ela e Efigênia sofreriam, tempos depois, um atentado em que Monique seria assassinada a facadas e Efigênia sobreviveria. Até outro dia, quando morreu de doença.

“Alguns dos palácios que construí ainda estão sem teto; falta muito para que os céus possam reconhecê-los. Mas, feitos para cobrir-se de ilusão, nuvens não faltarão que possam compreendê-los”. (trecho do texto Palácios, escrito por Luiz Estrela)

[!] 14ª Parada do Orgulho LGBT de Belo Horizonte, realizada em julho de 2011.

Monique, Efigênia, Luiz Estrela, Alexandre, Babalu, Gabriela, Gláucia, Gustavo, Igor, Júlia, Leka, Mariana, Oziel, Renata e Roberto chegaram [!] com véus coloridos no rosto, a bandeira arco-íris nas mãos e, embaixo do Viaduto Santa Tereza, depositaram velas. No local, dias antes, Jô tinha sido encontrada morta. Encenavam um enterro de rua e, do alto, andaram em fila e jogaram pétalas. Entoaram versos-resposta criados por Babalu.

“Não, não mexa com elas não
Elas são ponta de agulha
Quem mexer com as bonecas
Tá cavando a sepultura”.

[!] A performance descrita integrou, em agosto de 2011, o Festival de Perfomance de BH e foi intitulada “A Gangue das Bonecas ataca novamente”.

Seguiram em catarse, como se transbordassem a dor, como se avisassem que celebração não se pode matar.