Revista Marimbondo

Muros: modo de usar

As grandes cidades têm se tornado cenário e inspiração frequente para as mais variadas expressões artísticas. Cada vez são mais diversas as propostas, as linguagens e os espaços explorados. O artista plástico Bruno Vilela convida, contudo, a se pensar um dos locais urbanos de carga simbólica mais potente: o muro.

Elaborado pelo artista, o projeto “Muros: Territórios Compartilhados” foi aprovado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. Bruno convidou os artistas Brígida Campbell, Breno Silva e Janaína Melo para comporem a curadoria. A equipe foi responsável por selecionar sete trabalhos que pensassem a arte no espaço público e propusessem intervenções em muros situados nas diversas regiões da cidade. Dentre os critérios de avaliação constavam, além de criatividade e qualidade do projeto, a descentralização dos locais de intervenção e a diversidade das linguagens artísticas.

Os interessados deveriam enviar uma proposta de intervenção, contendo a justificativa do local de realização e a autorização prévia dos proprietários dos muros. Para Bruno, era importante que os  artistas entendessem o muro não apenas como suporte físico, mas como estrutura de trabalho, que baseasse o conceito da intervenção.

Os organizadores ficaram satisfeitos com o número de inscritos, pois “só de fazer 84 pessoas refletirem sobre as questões de um espaço específico da cidade já é interessante”, aponta Bruno.

Para Brígida, as ruas dos centros urbanos funcionam hoje mais como grandes corredores de circulação do que como espaços de convivência entre os sujeitos. Os muros altos e as fachadas hostis são a materialização de questões como a paranoia da violência urbana e da necessidade de demarcar enfaticamente a fronteira entre público e privado. As intervenções deveriam, portanto, catalisar o encontro entre essas duas esferas, dissolvendo a função literal e simbólica dos muros.



Um dos objetivos do projeto é estimular o contato da população com o universo das artes visuais, de maneira mais livre e subjetiva, dissolvendo, de alguma maneira, a ideia de que intervenção urbana se resume a grafitagem e colagem de stickers. Segundo Bruno, é a partir do estranhamento e de propostas que despertem a sensibilidade que se constrói o pensamento crítico e a reflexão acerca dos problemas urbanos. “A arte age em um dos campos mais poderosos de transformação, que é o campo do simbólico. E é apenas a partir da mudança neste campo que se tornam possíveis mudanças reais, concretas, no cotidiano das pessoas”, explica.



TERRITÓRIOS FÉRTEIS
A duração das intervenções é indeterminada. Alguns moradores, por exemplo, pretendem manter as modificações sofridas por seus muros. Dona Evangelina, proprietária do muro de seis metros de altura, resultado da intervenção “Ascensão Social”, de Sara Lambranho, gostou da ideia, mas pretende derrubar um pedacinho. “Seis metros é muita coisa, né?”, explica a filha, Luci Dias.

Outras ações tiveram caráter mais efêmero, como a performance de Renato Negrão, “Concerto Para o Erro”. No dia 12 de maio, o artista realizou projeções nos muros externos do Boulevard Shopping e das casas que compõem a comunidade vizinha. Uma das questões motivadoras do trabalho de Renato foi o fato curioso de o shopping apresentar apenas a porta de carga e descarga voltada para a comunidade. O artista levou dois retroprojetores, aquelas máquinas já consideradas low tech, cuja superfície de vidro estava preparada para receber tinta e água. O equipamento projetava imagens a partir do movimento dos pigmentos e de formas gráficas, enquanto Renato recitava textos e poemas de sua autoria. A intervenção despertou curiosidade dos moradores e intensa participação das crianças, que comandaram um dos aparelhos.

Apesar de ter durado apenas um dia, a performance de Renato rendeu frutos. Ou melhor, plantou sementes na comunidade. O presidenteda Associação Cultural da Vila União, Claudiomiro Félix, gostou tanto do rebuliço causado pelo projeto que convidou o artista para integrar a diretoria da Biblioteca Comunitária Machado de Assis. Claudiomiro, conhecido na região como “Tim Maia”, é também o proprietário do bar Mundo Melhor, cuja freguesia aumentou durante as obras do shopping, mas agora voltou a ralear. Para ele, ações como essa são fundamentais pra “a comunidade criar familiaridade com o campo da arte”.

A apropriação da intervenção pelos moradores gera desdobramentos às vezes transitórios, outras vezes duradouros, mas, quase sempre, imprevisíveis. Talvez este nem seja o objetivo, mas parte do processo pretendido pelo projeto “Muros”. Pois, para Bruno Vilela, as ações que efetivamente pensam o contexto da comunidade “reverberam na mente das pessoas e plantam a semente para iniciativas concretas”. Taí um muro importante que a arte ajuda a derrubar. Ou, neste caso, construir.