Revista Marimbondo

Se essa rua fosse nossa | parte 1

 

Ao longo dos últimos anos Belo Horizonte vive um momento – talvez singular – em que estar na rua, por meio de uma atuação política e/ou artística, tornou-se mais que uma reivindicação e ocupação dos espaços urbanos. Foi responsável por ressaltar uma dimensão de luta para além da cultura. Em 2011, esse movimento, ora planejado, ora espontâneo, ganhou contornos ainda mais nítidos, muitas vezes colocando em lados opostos integrantes do setor cultural e o poder público municipal.

 

A região Centro-Sul — área de maior concentração de eventos da cidade — viu diminuir neste ano o número de eventos licenciados junto à Prefeitura. De janeiro a outubro, a regional registrou 457 autorizações, 35% a menos que no mesmo período no ano anterior. De acordo com a Secretaria de Administração Regional Municipal Centro-Sul, “o licenciamento dos eventos solicitados se dá mediante cumprimento das normas estabelecidas e o número de eventos realizados na cidade pode variar de acordo com a solicitação dos produtores”.

Quando se fala em uso do espaço público, o Código de Posturas — sancionado em 8 de setembro de 2010 — é o documento de referência. Além do código, existem leis e decretos que podem ditar regras específicas, como as relacionadas ao universo da cultura. São exemplos: a Lei nº 10.277, sancionada em 27 de setembro deste ano e conhecida como Lei da Praça Livre (leia mais na página 22), “que dispõe sobre a realização de atividades artísticas e culturais em praça pública”; e o decreto nº 14.559, publicado na mesma data, “que dispõe sobre a apresentação e a manifestação artística e cultural de artistas de rua em logradouros públicos”. Tais atividades passam a prescindir de autorização da Prefeitura, desde que não utilizem som mecânico ou montagem de palco, não cobrem ingresso, sejam encerradas às 22h e não obstruam a circulação de pedestres ou veículos. Em nota, o prefeito Márcio Lacerda afirmou que “com a lei, a Prefeitura, além de organizar as apresentações, permite e incentiva a espontaneidade dos artistas”.

Gustavo Bones, ator e integrante do Movimento Nova Cena [!], critica o veto dado pelo prefeito aos  artigos que tratavam sobre a autorização necessária para as atividades que não se enquadram nos requisitos mencionados. E afirma:

 

“Show, teatro com microfone, lançamento do FIT (Festival Internacional de Teatro), evento da Coca-Cola, performance no sinal, bloco de carnaval… tudo como dantes no quartel de Abrantes: cerca, pedágio, entrada e saída, burocracia para autorização. Pra mim, o prefeito ganhou manchetes dizendo que ‘liberou as praças’ ou que ‘eventos não precisam mais de autorização’, mas, na real, as coisas não mudaram quase nada!”


A prefeitura também é acusada de não zelar pelo cumprimento do artigo 5º, cujo texto diz que “a atividade realizada em praça do município não poderá ser cercada e será gratuita”. Discussões como essas estiveram em pauta ao longo de todo este ano. Críticas e reivindicações motivaram a mobilização de artistas, produtores, gestores culturais, associações de classe e grupos ligados ao universo cultural. Ações e reações desencadearam debates, embates, avanços, retrocessos e uma tentativa, com intermitentes sucessos, de diálogo.

[!] Surgido em 2009, logo após a Praia da Estação (leia mais na página 15), o Movimento Nova Cena busca debater e sugerir mudanças sobre as políticas culturais do município, estado e país. Ele conta com um blog na internet onde disponibiliza suas pesquisas, notícias e eventos.